São Paulo, domingo, 06 de maio de 2007

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Crítica/"Contos das Quatro Estações"

Rohmer cria obras-primas ao inverter expectativas comuns

Nos filmes da série, que chega às lojas, cineasta francês usa método hitchcockiano

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Quem ainda tiver a idéia de que Eric Rohmer é um cineasta literário, onde tudo se decide pelo diálogo, encontrará nos "Contos das Quatro Estações", que acabam de ser lançados em DVD, um completo desmentido.
Não é que os personagens falem demais ou de menos. Nem que seja perda de tempo vê-los na tela, pois esses acontecimentos, pouco dramatizados, poderiam ser vistos na vida real sem dificuldade. Nada disso.
A questão é que Rohmer nos lança uma série de armadilhas. Co-autor (com Claude Chabrol) do primeiro grande ensaio sobre Hitchcock, ao realizar estes quatro filmes ele não apenas prende a nossa atenção ao longo da história, como o faz por meio do uso delicado e eficaz do suspense hitchcockiano.
Em "Conto de Inverno", queremos saber se Félicie reencontrará o pai de sua filha. No "Conto de Primavera", se o pai de Natacha trocará Eve por sua amiga Jeanne. No "Conto de Outono", se Isabelle conseguirá unir Magali e Gérald. No "Conto de Verão", por fim, se Gaspard ficará com Margot, nossa preferida, ou com as duas outras garotas de seu verão.
A armadilha consiste em que o final tem importância, mas não pelos motivos que imaginamos. Nossa expectativa pode ser frustrada ou não, mas isso é indiferente. O essencial é que Rohmer nos atraia apelando àquilo que nos é familiar no cinema -o amor romântico- para em seguida (ou simultaneamente) desviar a rota.
É verdade que isso ocorre há anos em seus filmes, e ninguém que tenha visto esquecerá como a decisão de casar com determinada pessoa é tomada pelo herói: tudo parte da reflexão.
Talvez por isso seja necessário que os personagens rohmerianos falem tanto. Por um lado, seus gestos dependem de determinados raciocínios e devem ser explicados aos demais (e a nós) para que tenham sentido. Por outro, todo o filme consiste em negar essa crença nos amores inefáveis, predestinados, nos quais aprendemos a crer com o cinema clássico.
Mesmo no caso de Félicie, que espera anos a fio pelo retorno de Charles, sem se acomodar a nenhum namorado, é o sentimento romântico que parece estar fora de questão. Salvo erro, é o único caso na série em que vemos dois personagens fazendo amor, como se o sentimento viesse do bom encontro sexual entre ambos.

Fabulação
O procedimento comum aos quatro contos é a capacidade de fabulação de seus personagens.
É como se a história viesse menos do autor dos filmes do que dos personagens. Em "Conto de Primavera", Natacha tenta convencer Jeanne a se aproximar do pai (e vice-versa). No "Conto de Outono", Isabelle coloca um anúncio no jornal a fim de encontrar um parceiro para sua amiga Magali e engendra a seguir uma trama. Em "Conto de Verão", Margot empurra Gaspard nos braços de outras garotas, mas não sabemos se é isso que ela quer.
Para que tudo isso aconteça, fala-se muito nesses filmes admiráveis, é fato. Mas, ao final, veremos, há um ponto vazio na fala. Ela não diz tudo. Talvez esconda mais do que diga. A imagem é que nos dirá o não-dito.
Porque Rohmer é não apenas um cineasta -e não um escritor. Mas um dos maiores cineastas em atividade.


CONTO DA PRIMAVERA; CONTO DE OUTONO; CONTO DE INVERNO
Avaliação:
ótimo

CONTO DE VERÃO
Avaliação:
bom
Lançamento: Europa
Quanto: R$ 29,90 (cada um)


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