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Crítica/"Contos das Quatro Estações"
Rohmer cria obras-primas ao inverter expectativas comuns
Nos filmes da série, que chega às lojas, cineasta francês usa método hitchcockiano
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Quem ainda tiver a idéia
de que Eric Rohmer é
um cineasta literário,
onde tudo se decide pelo diálogo, encontrará nos "Contos das
Quatro Estações", que acabam
de ser lançados em DVD, um
completo desmentido.
Não é que os personagens falem demais ou de menos. Nem
que seja perda de tempo vê-los
na tela, pois esses acontecimentos, pouco dramatizados,
poderiam ser vistos na vida real
sem dificuldade. Nada disso.
A questão é que Rohmer nos
lança uma série de armadilhas.
Co-autor (com Claude Chabrol) do primeiro grande ensaio sobre Hitchcock, ao realizar estes quatro filmes ele não apenas prende a nossa atenção
ao longo da história, como o faz
por meio do uso delicado e eficaz do suspense hitchcockiano.
Em "Conto de Inverno", queremos saber se Félicie reencontrará o pai de sua filha. No
"Conto de Primavera", se o pai
de Natacha trocará Eve por sua
amiga Jeanne. No "Conto de
Outono", se Isabelle conseguirá unir Magali e Gérald. No
"Conto de Verão", por fim, se
Gaspard ficará com Margot,
nossa preferida, ou com as duas
outras garotas de seu verão.
A armadilha consiste em que
o final tem importância, mas
não pelos motivos que imaginamos. Nossa expectativa pode
ser frustrada ou não, mas isso é
indiferente. O essencial é que
Rohmer nos atraia apelando
àquilo que nos é familiar no cinema -o amor romântico-
para em seguida (ou simultaneamente) desviar a rota.
É verdade que isso ocorre há
anos em seus filmes, e ninguém
que tenha visto esquecerá como a decisão de casar com determinada pessoa é tomada pelo herói: tudo parte da reflexão.
Talvez por isso seja necessário que os personagens rohmerianos falem tanto. Por um lado, seus gestos dependem de determinados raciocínios e devem ser explicados aos demais
(e a nós) para que tenham sentido. Por outro, todo o filme
consiste em negar essa crença
nos amores inefáveis, predestinados, nos quais aprendemos a
crer com o cinema clássico.
Mesmo no caso de Félicie,
que espera anos a fio pelo retorno de Charles, sem se acomodar a nenhum namorado, é o
sentimento romântico que parece estar fora de questão. Salvo erro, é o único caso na série
em que vemos dois personagens fazendo amor, como se o
sentimento viesse do bom encontro sexual entre ambos.
Fabulação
O procedimento comum aos
quatro contos é a capacidade de
fabulação de seus personagens.
É como se a história viesse menos do autor dos filmes do que
dos personagens. Em "Conto
de Primavera", Natacha tenta
convencer Jeanne a se aproximar do pai (e vice-versa). No
"Conto de Outono", Isabelle
coloca um anúncio no jornal a
fim de encontrar um parceiro
para sua amiga Magali e engendra a seguir uma trama. Em
"Conto de Verão", Margot empurra Gaspard nos braços de
outras garotas, mas não sabemos se é isso que ela quer.
Para que tudo isso aconteça,
fala-se muito nesses filmes admiráveis, é fato. Mas, ao final,
veremos, há um ponto vazio na
fala. Ela não diz tudo. Talvez esconda mais do que diga. A imagem é que nos dirá o não-dito.
Porque Rohmer é não apenas um cineasta -e não um escritor. Mas um dos maiores cineastas em atividade.
CONTO DA PRIMAVERA; CONTO
DE OUTONO; CONTO DE INVERNO
Avaliação: ótimo
CONTO DE VERÃO
Avaliação: bom
Lançamento: Europa
Quanto: R$ 29,90 (cada um)
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