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São Paulo, sexta-feira, 06 de junho de 2003

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CINEMA/ESTRÉIA

"TODO PODEROSO"

Sucesso é explicado pela eleição da banalidade como essência

Apenas achados de Jim Carrey sustentam trama burocrática

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Um homem comum, com os atropelos e frustrações de um homem comum, de repente se vê dotado de superpoderes. A isso se resume a trama de "Todo Poderoso", filme que chega ao Brasil hoje, na condição de fenômeno de bilheteria, de filme que bateu recordes de "Matrix" etc. Que dizer diante disso? "Matrix" pelo menos é uma tapeação tão engenhosa quanto aplicada. "Todo Poderoso" é Jim Carrey e fim de conversa.
Em princípio, a história de Bruce Nolan não é diferente da de inúmeros super-heróis, de Batman ao Homem-Aranha. Apenas Bruce é um personagem bem menos elaborado do que esses. Ele é um repórter de TV que aspira ao cargo de âncora de um telejornal local, mas que tem tudo para ser passado para trás por um colega.
Ele tem um cachorro que urina na sala. Um carro que fica preso em congestionamentos. Uma namorada que ele não percebe o quanto é adorável, de tão preocupado que está consigo mesmo. Ufa! Bruce é um chato. Quem pode salvá-lo dessa condição? Em termos de roteiro, Deus. Em termos humanos, Jim Carrey.
Cansado de ser invocado e desafiado por Bruce, Deus -um Morgan Freeman no piloto automático- lhe transfere o cargo por alguns dias. Investido de um poder infinito, Bruce utiliza-o basicamente em proveito próprio: para resolver seus problemas. Eis aí uma história que começa insípida e prossegue idem.
O que tem a dizer? Que nenhum homem é Deus? OK, anotado. Que não devemos sucumbir ao egoísmo? Feito. Mas o que é isso? Um sermão de missa de domingo? Em linhas gerais é isso aí.
Se Deus não abençoou o "Todo Poderoso" o bastante para transformá-lo num filme tragável, se lhe deu um diretor como Tom Shadyac, capaz de passar cem minutos sem produzir um plano memorável -aliás, pelo jeito, é assim que ele atravessará sua carreira-, deu-lhe em troca um comediante inspirado, na pessoa de Jim Carrey.
O filme não é de Deus, é de Jim, que cada vez mais parece usar confortavelmente a aparência do homem comum para produzir humor. E, de fato, quando menos se espera, Jim consegue efeitos cômicos inesperados que, nitidamente, não vêm do roteiro, mas dele mesmo.
E, quando menos se espera, a sala está rindo a bandeiras despregadas com seus achados. Num filme em tudo e por tudo burocrático, ele faz a diferença. Resta, no mais, o achado moralizante que vem do texto: tão mediano, tão elementar, que se entende de imediato a razão do sucesso estrondoso desse filme que elege a banalidade por essência.


Todo Poderoso
Bruce Almighty
 
Produção: EUA, 2003
Direção: Tom Shadyac
Com: Jim Carrey, Jennifer Aniston e Morgan Freeman
Quando: a partir de hoje nos cines Anália Franco, Belas Artes, Center Norte, Metrô Santa Cruz, Pátio Higienópolis e circuito



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