|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CINEMA/ESTRÉIA
"TODO PODEROSO"
Sucesso é explicado pela eleição da banalidade como essência
Apenas achados de Jim Carrey sustentam trama burocrática
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Um homem comum, com os
atropelos e frustrações de
um homem comum, de repente
se vê dotado de superpoderes. A
isso se resume a trama de "Todo
Poderoso", filme que chega ao
Brasil hoje, na condição de fenômeno de bilheteria, de filme que
bateu recordes de "Matrix" etc.
Que dizer diante disso? "Matrix"
pelo menos é uma tapeação tão
engenhosa quanto aplicada. "Todo Poderoso" é Jim Carrey e fim
de conversa.
Em princípio, a história de Bruce Nolan não é diferente da de
inúmeros super-heróis, de Batman ao Homem-Aranha. Apenas
Bruce é um personagem bem menos elaborado do que esses. Ele é
um repórter de TV que aspira ao
cargo de âncora de um telejornal
local, mas que tem tudo para ser
passado para trás por um colega.
Ele tem um cachorro que urina
na sala. Um carro que fica preso
em congestionamentos. Uma namorada que ele não percebe o
quanto é adorável, de tão preocupado que está consigo mesmo.
Ufa! Bruce é um chato. Quem pode salvá-lo dessa condição? Em
termos de roteiro, Deus. Em termos humanos, Jim Carrey.
Cansado de ser invocado e desafiado por Bruce, Deus -um Morgan Freeman no piloto automático- lhe transfere o cargo por alguns dias. Investido de um poder
infinito, Bruce utiliza-o basicamente em proveito próprio: para
resolver seus problemas. Eis aí
uma história que começa insípida
e prossegue idem.
O que tem a dizer? Que nenhum
homem é Deus? OK, anotado.
Que não devemos sucumbir ao
egoísmo? Feito. Mas o que é isso?
Um sermão de missa de domingo? Em linhas gerais é isso aí.
Se Deus não abençoou o "Todo
Poderoso" o bastante para transformá-lo num filme tragável, se
lhe deu um diretor como Tom
Shadyac, capaz de passar cem minutos sem produzir um plano
memorável -aliás, pelo jeito, é
assim que ele atravessará sua carreira-, deu-lhe em troca um comediante inspirado, na pessoa de
Jim Carrey.
O filme não é de Deus, é de Jim,
que cada vez mais parece usar
confortavelmente a aparência do
homem comum para produzir
humor. E, de fato, quando menos
se espera, Jim consegue efeitos cômicos inesperados que, nitidamente, não vêm do roteiro, mas
dele mesmo.
E, quando menos se espera, a
sala está rindo a bandeiras despregadas com seus achados. Num
filme em tudo e por tudo burocrático, ele faz a diferença. Resta, no
mais, o achado moralizante que
vem do texto: tão mediano, tão
elementar, que se entende de imediato a razão do sucesso estrondoso desse filme que elege a banalidade por essência.
Todo Poderoso
Bruce Almighty
Produção: EUA, 2003
Direção: Tom Shadyac
Com: Jim Carrey, Jennifer Aniston e Morgan Freeman
Quando: a partir de hoje nos cines
Anália Franco, Belas Artes, Center Norte,
Metrô Santa Cruz, Pátio Higienópolis e
circuito
Texto Anterior: Ele está no meio de nós Próximo Texto: "A Festa Nunca Termina": Deboche pontua gênese da música pop inglesa Índice
|