São Paulo, domingo, 06 de junho de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Mostra resgata o cinema impuro de Antônio Galante, chamado de "o Roger Corman da Boca do Lixo"

Cinema na boca

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Antônio Polo Galante, 70, já foi chamado de "o Roger Corman da Boca do Lixo", tanto por sua faculdade de produzir filmes rápidos e baratos como por ter dado impulso à carreira de cineastas então iniciantes, como Rogério Sganzerla, Carlos Reichenbach, Sylvio Back, João Callegaro e David Neves.
Galante entrou no cinema pela porta dos fundos, como faxineiro na produtora paulistana Maristela. Mas nos anos 70 era o mais prolífico produtor do país.
A mostra de filmes "O Cinema da Boca do Lixo: A Produção de A. P. Galante", que começa terça-feira no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, traz uma parte representativa dessa trajetória, que revela como nenhuma outra as condições da realização cinematográfica em nosso país.
Dos cerca de 50 longas-metragens produzidos por Galante desde 1967, 16 estão no ciclo. É uma filmografia torta, heterogênea, que vai dos mais canhestros dramas porno-carcerários -como "Presídio de Mulheres Violentadas" (1976)- ao cinema de invenção do Sganzerla de "A Mulher de Todos" (1969) e do Callegaro de "O Pornógrafo" (1970), para citar três títulos presentes.
Na produção da Boca do Lixo paulistana, aliás, eram freqüentes os curtos-circuitos entre a cultura popular e a livresca, dada a convivência entre trabalhadores, técnicos, malandros e jovens vindos da universidade.
Galante serviu como uma espécie de catalisador desse choque de culturas, conforme revela o escritor e cineasta João Silvério Trevisan no belo documentário "O Galante Rei da Boca", de Alessandro Gamo e Luís Rocha Melo, incluído na mostra, assim como três curtas de Ozualdo Candeias sobre a Boca.
Por um lado, Galante tinha um tremendo tino empresarial, produzindo filmes baratos de gênero (cangaço, erótico, artes marciais) para suprir a demanda dos cinemas populares, numa época em que a obrigatoriedade de exibição do filme brasileiro era mais respeitada do que hoje.
Nesse sistema de produção contínua, Galante contava com alguns cineastas habituais, como Osvaldo de Oliveira e Ody Fraga, este último especializado em filmes eróticos.
Mas a preocupação constante com a bilheteria não impedia Galante de conceder espaço para experiências mais autorais, como os citados filmes de Sganzerla e Callegaro, os dramas erótico-existenciais de Walter Hugo Khouri e sobretudo os filmes híbridos de Reichenbach, representados na mostra por "A Ilha dos Prazeres Proibidos" (1977) e "Império do Desejo" (1978).

Autoral e comercial
"A Ilha..." ilustra bem a simbiose que chegou a haver entre o autoral e o comercial sob a égide de Galante. Para Carlos Reichenbach, seu filme trazia embutida uma discussão do tema dos exilados políticos. Quando alguém disse isso ao produtor, este se limitou a dizer: "E daí? O importante é que deu dinheiro".
Um filão explorado por Galante foi o das paródias de êxitos eróticos internacionais. Na mostra, há dois exemplos: "A Filha de Emmanuelle" (1978), de Osvaldo de Oliveira, e "A Filha de Calígula" (1981), de Ody Fraga.
O formato dos longas de episódios também foi tentado ocasionalmente, gerando frutos como "As Safadas" (1982), do qual a mostra traz o episódio "Uma Aula de Sanfona", cuja singularidade é ter sido (até agora) o único filme dirigido pelo escritor, roteirista e montador Inácio Araujo, crítico de cinema da Folha.


O CINEMA DA BOCA DO LIXO: A PRODUÇÃO DE A. P. GALANTE. Onde: CCBB (r. Álvares Penteado, 112, SP, tel. 0/xx/11/3113-3651). Quando: de 8 a 20/ 6. Quanto: R$ 4. Informações: www.cultura-e.com.br.


Texto Anterior: Crítica: A dor e a delícia da transmissão do futebol
Próximo Texto: Novo espaço exibe 1º longa de Reichenbach
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.