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PATRIMÔNIO
Dops é mais uma peça da revitalização do centro
GUILHERME WISNIK
ESPECIAL PARA A FOLHA
A reciclagem do edifício do
Dops em centro cultural parece colocar inicialmente uma
questão da ordem do patrimônio:
o que é que realmente importa
preservar? E, diante disso, de modo semelhante ao que ocorre com
a construção de museus judeus
sobre antigos campos de concentração, nos fazer oscilar entre a
crença de que um uso democrático seja capaz de exorcizar o estigma de um edifício tão diretamente associado à tortura e a impressão de um certo cinismo no ar.
Por esse motivo, apesar de ter
sido construído em 1914 como
instalação de apoio da cia. Sorocabana de trens, sua atual reconversão expõe à primeira vista
mais incômodos do que no caso
da estação Júlio Prestes, ao lado,
mais facilmente associada à "glória" da República Velha e do café.
Na verdade, a diferença estilística dos edifícios, revelada no tratamento das fachadas (tanto no tijolo aparente como no desenho
dos caixilhos), ficou reforçada pela reforma do arquiteto Haron
Cohen. Pois, sob os usuais preenchimentos da estrutura próprios
do ecletismo, revelou-se um lugar
construído com estrutura metálica. O projeto de reforma beneficiou-se do fato de o prédio possuir limpeza estrutural incomum,
facilitando a organização dos fluxos e o aparecimento de generosos salões. Pés-direitos duplos
contribuem para a intenção de
criar um museu não convencional, ligado à exploração interdisciplinar de novas mídias. Mas a
modesta importância arquitetônica sugere que sua preservação
não se refere exatamente a uma
questão de patrimônio.
A dualidade de estilos, "francês"
e "inglês", não oculta o fato de haver entre estação Júlio Prestes e
Dops uma continuidade fundamental. Pois assim como a primeira passou sete anos de hibernação, em processo de restauro à
espera de um uso à altura de sua
importância, ao segundo não se
reservaria um destino diferente.
Ambos os edifícios são peças-chave no projeto "Pólo Luz Cultural",
que orienta o processo em curso
de revitalização do centro da cidade impulsionado pelo Estado.
Ocorre que, ao lado do inegável
ganho objetivo que cada um desses novos centros culturais representam, a suposta imunidade da
cultura é usada para atenuar ou
até mesmo apagar os conflitos em
questão. Na "cracolândia" concentra-se grande parte dos cortiços da cidade e onde há intensa
disputa por espaço. Sua requalificação não pode ser vista como
simplesmente positiva ou neutra.
Nesse sentido, o "casarão Santos Dumont" expõe diretamente a
tensão: um dos importantes núcleos de resistência dos movimentos por moradia foi "removido" para a instalação de um indecifrável Museu da Energia.
A opção por não implantar no
Dops a Escola Superior de Música, reclamada pelo maestro Neschling e que já tinha um projeto
pronto e aprovado, mais uma vez
revela essa orientação.
Pois, por mais interessante que
possa ser a proposta deste, que é
mais um centro cultural, não pode ser comparada ao projeto formativo de uma escola, que inclusive se somaria à sala de concertos, dando maior sentido a ela.
No entanto, ao contrário, esta
mantém-se isolada, como um
centro de excelência em meio à
barbárie. Aparências contrastantes com as quais a sociabilidade já
se acostumou, mas que são as
marcas de um projeto civilizatório que se realiza por processos
renovados de violência urbana.
Avaliação:
Guilherme Wisnik é arquiteto, autor de
"Lucio Costa" (Cosac & Naify, 2001)
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