São Paulo, sábado, 06 de julho de 2002

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LIVRO/LANÇAMENTO

"A ARTE SECRETA DO DESEJO"

Simone Ostrowski, que tem recebido elogios do meio literário, lança seu segundo livro

Autora-revelação fica presa em abstrações

MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA

Simone Ostrowski, com apenas 29 anos, vem saudada por intelectuais ilustres: o crítico literário Antonio Olinto e o professor Evanildo Bechara, da Academia Brasileira de Letras, além do escritor Moacyr Scliar. Vale a pena prestar atenção no que dizem, e não só pelo fato de que dois dos autores brasileiros mais interessantes hoje, embora não necessariamente em atividade, sejam mulheres: as paulistas Hilda Hilst e Zulmira Ribeiro Tavares.
"A Arte Secreta do Desejo" é a segunda ficção de Ostrowski. É pena que tenha sido vítima de uma edição apressada, que deixou vários pequenos erros. A obra é classificada como romance. A rigor, seria coisa semelhante a uma novela, de extensão intermediária entre conto e romance. No país, o exemplo famoso é o de "O Alienista", de Machado de Assis.
Nesta novela de Ostrowski, há bem pouca ação. Um homem rico, colecionador de quadros, encontra uma jovem historiadora de arte, por quem se apaixona. Ela aceita seu convite para ser sua hóspede, mas se esquiva de uma aproximação maior. Vivem "cercados de boa arte, perdidos em [..." ócio de jogos sedutores e discussões interessantes", até que uma revelação derradeira lhes define o destino. Não há indicação de espaço nem de tempo. Os personagens têm sobrenomes de artistas renomados: Goya, ele; Kandinsky, ela. Passam o tempo discutindo a arte, o amor, a religião.
O grande conflito declarado se dá no plano das idéias. Goya é um "esteta mórbido", colocando "a beleza acima de tudo". A beleza e as mulheres, aliás. Seria um libertino consumado, se não fosse por um detalhe. Houve uma mulher a quem amou. Apelidou-a de "Jardim Fechado". Fugiu dela com medo do sentimento de perfeição que lhe despertava. Para ele, o ser humano é necessariamente imperfeito, e deve se contentar com isso. Já Kandinsky crê na busca pela perfeição e desaprova a morbidez. Também confia no poder da graça, artística e religiosa. "Todo amor digno do nome é platônico", diz, concordando, em tese, com o que Goya fizera, na prática.
Há algo curioso com que os dois concordam. Ambos defendem a estética clássica, em oposição a "toda essa arte vazia e todos os malabarismos intelectuais para justificar o que já não emociona nem atinge ninguém". O problema residiria no fato de a arte contemporânea excluir o elemento humano, o afeto, a sedução.
Curiosamente, Goya e Kandinsky são aportes de conceitos, e não personagens plenos, que agem por meio de uma rede palpável de motivações. Vivem imersos em abstrações. Por isso, são mais porta-vozes de uma literatura pós-moderna, irônica, racionalista e desencarnada do que figuras tradicionais, capazes de nos transmitir emoção e "densidade psicológica". Apenas no final, com grande estrondo, como um "deus ex machina", é que surge a explicação para seu comportamento. Ela surge tão fantasiosa e romanesca, porém, que pouco nos convence da concretude dos personagens. Eles continuam pairando sobre nós, como a tese e a antítese de uma idéia.


A Arte Secreta do Desejo    
Autor: Simone Ostrowski
Editora: Revan
Quanto: R$ 18 (112 págs.)




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