São Paulo, terça-feira, 06 de julho de 2004

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Trio de estrelas da Festa de Parati diz que vivemos a pior época da história, tema que motiva seus próximos romances

Já surgimos "não-inocentes", afirma Amis

DA REPORTAGEM LOCAL

Leia a seguir a continuação da entrevista com Martin Amis, Ian McEwan e Paul Auster. (CASSIANO ELEK MACHADO e SYLVIA COLOMBO)
 

Folha - Sobre o que vocês (Ian e Martin) vão falar em Parati?
Martin Amis -
Vamos falar sobre a politização do mundo. É impossível ficar longe desse tema.

Folha - Vocês crêem que os eventos dos últimos anos, desde o 11 de Setembro, mudarão a literatura?
Paul Auster -
Os homens sempre acham que estão vivendo o tempo mais terrível da história. É assim hoje, mas olhe para o século 20, quanto horror foi perpetrado pelos homens a outros homens.
A literatura sempre sobreviveu a isso tudo. A grande coisa a respeito de romances é que eles são sobre indivíduos. E isso é a expressão da democracia. A idéia de que toda vida merece ser comentada. Escrever sobre coisas grandes, sobre movimentos de massa, pode ser nobre, mas não necessariamente dá boa literatura.

Amis - Esta é a pior época da história em pelo menos um aspecto. Existe menos inocência. Nós já surgimos como os "não-inocentes", por pura agregação. Não posso fugir do presente porque o meu assunto sempre foi a masculinidade. E hoje vivemos uma nova e selvagem manifestação da masculinidade.

Ian McEwan - Nossa época, que é muito ruim em particular, tem um apelo para escritores, pois a ficção sempre mostrou vidas particulares diante de movimentos maiores. Escrever é uma investigação da natureza humana.
Imagino que se pense no romance de hoje como algo sombrio, mas esse período é rico para a ficção. Martin e eu conversamos sobre isso em Londres, em abril, quando comentamos o que estávamos escrevendo. E o que me impressionou é que nós dois enfrentávamos em paralelo algo que desafiava a nossa imaginação, que os fatos de hoje deixavam a imaginação mais fácil de alcançar.

Amis - Don DeLillo disse, há oito anos, que o espírito do futuro será determinado não pelos poetas, mas por terroristas.

Auster - As eleições na América em 2000 me deixaram muito deprimido, me senti como se estivesse vivendo o período mais sombrio da minha vida. Hoje temos um governo ilegítimo que está fazendo...

Amis - Coisas ilegítimas.

Auster - Isso, coisas ilegítimas. Lembro-me de algo que Billy Wilder disse: "Quando você sentir que está no topo de sua vida, deve escrever uma tragédia. E quando você se sente muito mal, escreva uma comédia". Estou escrevendo uma comédia que vai acabar na manhã do 11 de Setembro de 2001.

Folha - Como se sente em relação à eleição?
Auster -
Acho positivo que artistas estejam organizando eventos para conseguir dinheiro para derrotar Bush. Estou muito otimista. Mas também estou pronto para ser destruído pelos resultados.

Folha - E qual vocês acham que será o futuro político de Tony Blair?
McEwan -
Ele vencerá a próxima eleição. No plano doméstico, é provavelmente o primeiro-ministro menos ruim dos últimos 50 anos. Quase não há desemprego, a inflação está muito baixa.

Auster - Mas por favor me expliquem uma coisa. Como acontece uma aliança entre Bush e Blair. Eu nunca entendi.

McEwan - É uma tradição desde a Segunda Guerra. Sempre os Estados Unidos estiveram com a Inglaterra. Teria sido um grande escândalo se eles se separassem.

Auster - Mas como alguém articulado como Blair se alia a Bush?

Amis - Creio que muito para não deixar Bush agir sozinho. Blair pensava que, pelo menos, poderia sussurrar algo em seu ouvido. Os americanos, em choque, poderiam fazer coisas piores.

Folha - Como vocês enfrentam esse momento? Amis tem um livro sobre pornografia prestes a sair.
Amis -
Não é um livro, é um longo artigo transformado em livro.

Folha - Mas "Yellow Dog", seu último romance, era "pornográfico".
Amis -
Sim, e com muito da atmosfera pós-11 de Setembro, com espirito de comédia. Fico imaginando o que faz Osama rir (risos).

Auster - Uma pergunta e tanto.

McEwan - Torres gêmeas?

Amis - Tenho tentado pensar no Islã radical. Nessa manifestação da masculinidade derrotada. E fico interessado pelas mulheres iranianas, pela explosão pela qual estão passando. Estão lendo Paul Auster, estão lendo "Lolita", Saul Bellow. É uma mudança radical.

McEwan - Ainda assim os árabes continuam odiando a América, e eu entendo os motivos, além dos óbvios. Eles não têm o melhor de lá, o blues, o jazz, os filmes.

Folha - Não vêem "Shrek" (risos).
McEwan -
Mais do que isso (risos), não tem acesso a Miles Davis, aos gênios americanos.

Auster - Os EUA e o Islã estão em crise. Nós americanos temos sido muito estúpidos. A América se tornou o país mais desprezado do planeta. E por quê? Há três anos, depois do atentado, havia mais simpatia pelos EUA do que em qualquer época, até mesmo do que no final da Segunda Guerra Mundial. Fizemos tantos absurdos que o orgulho nos cegou.

McEwan - Mas o fato de que estão lendo "Lolita" em Teerã não mostra que o anti-americanismo não é tão grande?

Auster - Mas é apenas um pequeno grupo de pessoas que lêem.

Amis - O público leitor é sempre muito diminuto. E não inclui os governos (risos)!

Auster - Depois de 15 meses da invasão do Iraque, a pergunta é: o mundo está mais seguro? Não. Existem mais terroristas? Sim. Então o resultado é desastroso.

Folha - Morrissey, ex-Smiths, acaba de lançar um disco em que critica o conservadorismo das sociedades americana e britânica. Vocês concordam que esteja havendo uma guinada para a direita?
Auster -
Nos EUA acho que a sociedade está dividida. A esquerda e a direita estão ficando mais fortes. Existem hoje dois países.

Folha - E qual deles é maior?
Auster -
Não sei. Veremos em novembro. Estamos no 50% a 50%. O problema é que nosso sistema eleitoral é um federalismo muito esquisito e injusto. Não temos uma representação republicana. É um sistema federalista que dá à direita uma boa vantagem.

McEwan - Sempre se discute se a Grã-Bretanha está ficando mais à direita ou mais à esquerda. O que vemos hoje é que os conservadores estão sendo obrigados a discutir os temas da esquerda, saúde, educação e serviços públicos. O jogo está sendo jogado com as regras do Trabalhismo.

Auster - Nos EUA é o oposto, a direita é quem dita o discurso e as regras do jogo eleitoral.

McEwan - Acho importante dizer que hoje, se o primeiro-ministro fosse gay, ele não ia mais perder o cargo, como aconteceria no início dos anos 90. Hoje temos três ministros gays.

Folha - E os imigrantes?
McEwan -
Essa é um pouco mais complicada. Há racismo sem dúvida. Mas há um impulso libertário no geral.

Auster - O que estamos dizendo é que a Grã-Bretanha está andando para a frente e que a América está se movendo para trás.
Esse é o coração da história americana desde o princípio. Aqueles que acreditam em cada homem por si mesmo e aqueles que acreditam que vivem numa sociedade em que outras pessoas são responsáveis pelos outros. Ou seja, nunca foi mais leve, e estamos mais divididos do que nunca.

Folha - Como vocês estão enfrentando os tempos sombrios?
Amis -
Escrevo um romance, a respeito de muito do que nós estamos conversando agora. E também algo sobre política.

McEwan - Estou escrevendo um romance, sobre coisas que estamos conversando. Estou nos últimos rascunhos. Não consigo parar de pensar nele. Se passa num único dia de 2003, durante grandes manifestações contra a guerra no Iraque. Um personagem caminha por Londres, irritado porque não consegue chegar a uma partida de squash. É algo meio "dark". Quando se vive em tempos sombrios, se está mais vivo porque a consciência vibra mais. Não falo de nações, mas de indivíduos.

Auster - Gostei dessa coisa de três. Não vou mais querer dar entrevistas sozinho (risos).


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