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ANÁLISE
"Falcão" e MV Bill frustram expectativas
ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
Eu e a torcida do Flamengo
nos preparamos para ver
"Falcão - Os Meninos do Tráfico",
documentário produzido pela
Globo com a Central Única das
Favelas (Cufa), com a participação do rapper MV Bill e de seu
empresário-produtor Celso
Athayde, que seria mostrado no
"Fantástico" do último domingo.
MV Bill e Athayde frustraram as
expectativas da emissora e dos telespectadores, cancelando a exibição na última hora. Fica a curiosidade sobre os misteriosos motivos que nos privaram de ver o filme. Mas principalmente fica a
vontade de apreciar o produto de
uma parceria inédita e ousada.
Ficamos sem saber como funcionou a dinâmica de produção.
Não pudemos ver se o resultado
da empreitada se diferencia de filmes recentes denunciados como
apropriação ilegítima de repertório. Quais as novidades de forma e
conteúdo sugeridas em um trabalho produzido em parceria com
os próprios moradores das favelas? Qual o significado desse controle inédito -e bem-vindo-
sobre a produção de cultura?
Podemos especular sobre as razões que suspenderam a veiculação do documentário. Estariam
em ação terríveis forças ocultas?
Estaria em jogo o temor da repetição do destino de Marcinho VP?
Teriam fantásticas esperanças de
exibição cinematográfica, com direito a tapete vermelho na calçada
da fama, seduzido nossos realizadores estreantes?
Ou nem uma coisa, nem outra,
estaríamos diante de uma inexplicável, mas simples mudança de
conduta, uma variação de humor,
uma prepotência assustada diante do grau elevado, quase máximo, de visibilidade que o documentário traria?
Talvez não haja uma explicação
persecutória. Provavelmente uma
resposta convincente resulte de
uma combinação de vontades,
pressões, temores e idiossincrasias sintomática da instabilidade e
da falta de confiança que nos
ameaça.
O rap e outras manifestações escritas marcam uma apropriação
da norma culta em universos anteriormente representados como
um "outro", pobre, que poderia
ser bom ou mau, mas sempre um
outro. A safra recente de filmes
que abordam esse universo de alguma forma incorpora expressões dessa cultura "autêntica".
O documentário tinha -ou
quem sabe ainda tem- a chance
de ir mais longe, trazendo um
universo representado a partir
"de dentro", para o meio de comunicação mais popular. Em
uma situação saturada por enfrentamentos, redes heterodoxas
como essa podem, quem sabe, estimular sinergias inspiradoras de
novas sociabilidades.
Por essas e outras, não vi e não
gostei (de não ter visto).
Esther Hamburger é antropóloga e
professora da ECA-USP
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