São Paulo, sábado, 06 de agosto de 2005

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ARTES PLÁSTICAS

Dupla britânica alimenta hábitos estéticos inusitados e já prepara exposição prevista para abril de 2007

Gilbert e George levam suas estripulias à Tate Galery

CAROL VOGEL
DO "NEW YORK TIMES", EM LONDRES

Há mais de três décadas, Gilbert e George vêm fazendo da irreverência sua profissão. Sua arte já tratou de todos os tipos de política: econômica, social, sexual. Combinando fotografia com performances, eles já destacaram a pornografia, as doenças pandêmicas como a Aids, o teatro de revista e a escatologia.
Num dia recente de verão, vestindo ternos e gravatas quase idênticos (hoje em dia, diferentemente do que faziam no início de sua parceria, eles tomam o cuidado de nunca se vestirem de maneira exatamente igual), os artistas conseguiram servir um chá preparado em sua cozinha -um espaço que não tem fogão, geladeira ou pia, mas louça antiga suficiente para servir um jantar formal para 150 pessoas.
Como Cher, Halston ou Madonna, Gilbert e George dispensaram seus sobrenomes. Isso aconteceu depois que os dois se conheceram, em 1967, na St. Martin's School of Art, em Londres. Gilbert é o mais baixo e o mais falante dos dois, enquanto George é mais alto, fuma sem parar e tem o hábito de concluir as frases iniciadas por Gilbert.
O estúdio deles é um espaço impecavelmente limpo cuja sala central é ocupada por uma grande maquete das galerias do Tate Modern, para onde os artistas preparam uma retrospectiva prevista para abrir em 2007.
No início de junho eles foram alvo de todas as atenções em Veneza, onde todo o pavilhão britânico ficou repleto de sua nova série intitulada "Ginkgo Pictures". Usando sofisticadas técnicas de edição digital, Gilbert e George produziram 25 quadros, cada um incorporando imagens das folhas de uma árvore ginkgo, símbolo da vida. Como já fizeram no passado, os artistas incorporam-se às obras em várias poses, fazendo caretas.
O trabalho de Gilbert e George já entrou e saiu de moda várias vezes ao longo da carreira deles. Agora, ao que parece, eles estão vivendo mais uma fase de alta, tanto assim que vêm vendendo trabalhos que passaram anos sem despertar o interesse de ninguém.

Atitude e originalidade
Os dois começaram a carreira como artistas performáticos em redutos londrinos como o Frank's Sandwich Bar. Quando foram excluídos de "When Attitude Becomes Form", uma mostra da nova arte conceitual realizada no Instituto de Arte Contemporânea, em Londres, eles retaliaram pintando suas próprias cabeças, vestindo ternos e ficando imóveis no centro da galeria na noite de abertura da mostra. Chamaram a atenção das pessoas a tal ponto que um marchand alemão, Konrad Fischer, imediatamente lhes ofereceu montar uma exposição na Düsseldorf Kunsthalle.
No momento, Gilbert e George estão voltados exclusivamente à retrospectiva que terá lugar na Tate. Diferentemente da maioria dos artistas britânicos vivos, cujo principal local de exposição é a Tate Britain, Gilbert e George vão mostrar seu trabalho na Tate Modern. "Arte é arte", disse Gilbert. "Não dá para ter os artistas ingleses de um lado e os outros do outro lado." Ele disse que a exposição é fruto de três anos de negociações. Num primeiro momento, os curadores queriam montar a retrospectiva na Tate Britain. Mas os artistas se recusaram, então sir Nicholas Serota, diretor da Tate, cedeu, embora a contragosto.
"Há uma série de instituições muito boas que trabalham com artistas nacionais", disse sir Nicholas. "Veja o caso da Whitney." Ele observou, também, que Gilbert e George não serão os primeiros artistas britânicos cuja obra já foi exposta na Tate Modern. Anish Kapoor e Rachel Whiteread são outros dois exemplos.
O ambiente espartano do estúdio forma um contraste com a parte residencial da casa, repleta dos frutos de décadas de atividade colecionadora séria. Sobre cada piso se vêem exemplos do melhor das obras de dois movimentos britânicos do século 19, o movimento estético e o movimento "Arts and Crafts" (arte e artesanato). Também são donos de uma biblioteca ampla e catalogada de livros sobre sexo.
Eles habitam um mundo autocontido. Fazem todas suas refeições fora de casa. Quando estão trabalhando para cumprir um "deadline", como aconteceu nos quatro meses que levaram para preparar-se para a Bienal de Veneza, eles não abrem nenhuma correspondência nem atendem ao telefone. Apenas cuidam do trabalho imediato.
Será que se cansam um do outro? "Ainda não", disse Gilbert. "E não faça aquela tradicional pergunta heterossexual: "E se um de nós for atropelado por um ônibus, o que vai acontecer?'".
Mas o que vai acontecer, afinal? "Não temos o que temer", ele respondeu. "Sempre atravessamos a rua juntos."


Tradução de Clara Allain

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