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Crítica/"Rastros de Ódio"
Aos 50, melhor faroeste de Ford ganha edição especial
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Não é preciso esperar
pela segunda cena para perceber que estamos diante de uma obra-prima.
A porta que se abre para a paisagem árida, o interior da casa
em contraluz, a mulher que
avança até a varanda da casa, a
paisagem que se torna cada vez
mais vasta, mais imponente e
na qual, aos poucos, se distingue a presença de um homem
que se aproxima a cavalo.
Este plano de uma melancolia insuperável é o início de
"Rastros de Ódio". Talvez seja o
maior faroeste de todos os tempos, certamente é o melhor, o
mais maduro, o mais complexo
de John Ford -e ganha edição
comemorativa de seus 50 anos.
Esta edição restaura o formato VistaVision. Na antiga versão, optou-se pela "tela cheia",
o que adulterava os enquadramentos. Mas, fora do cinema, a
mudança não é tão profunda.
Ford não é um cineasta do enquadramento, e sim um contador de histórias imbatível.
A real diferença aqui vem do
disco em que várias seqüências
são analisadas por John Milius,
Curtis Hanson e Martin Scorsese, comentando desde a primeira impressão -juvenil-
que sentiram até as descobertas feitas já como profissionais.
"Rastros de Ódio" está no
centro da produção de Ford.
Alguém, no disco de extras,
lembra que ele se sentia um
pouco como o personagem de
Ethan Hawke -solitário e sem
lar, depois de fazer 140 filmes e
ficar anos na guerra. Aventa-se,
inclusive, que os modos duros e
o jeito intratável de Hawke
eram muito semelhantes aos
do próprio Ford. É possível...
Mas o amargor de Hawke,
seu caráter de herói detestável,
vai além de possíveis identidades biográficas. O filme -sobre
o homem que procura incansavelmente pela sobrinha, seqüestrada por índios- toca na
tecla mais sensível da formação
americana, o racismo, observado aqui como a verdadeira tragédia do país, e ainda nos fala
do lar e do homem errante, da
busca pelo sangue, do ódio, da
Guerra de Secessão, dos sofrimentos do Sul derrotado etc.
Quem acha que isso é exagero pode ficar com a história de
Carroll Baker, que certa vez o
atazanava, pedindo que fizesse
o filme "que nem Ingmar Bergman". Ford perguntou: "Bergman? Quem é Bergman?". No
dia seguinte, enquanto Carroll
se preparava para a filmagem,
Ford chegou perto dela: "Ah, já
sei quem é Bergman. É aquele
sueco que me acha o melhor diretor do mundo". E Baker não
tocou mais no assunto.
Ford era um gigante. Mesmo
fazendo o filme mais dolorido
de sua vida, seu espectador, ao
final, se sente feliz e pasmo
diante de tanta força. "Rastros"
chega aos 50 anos intacto.
RASTROS DE ÓDIO
Direção: John Ford
Distribuidora: Warner; R$ 40
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