São Paulo, Sexta-feira, 06 de Agosto de 1999
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"Nós Que Aqui Estamos por Vós Esperamos", primeiro longa de Marcelo Masagão, quatro vezes premiado, estréia em São Paulo
Imagens de um século

PAULO SANTOS LIMA
especial para a Folha

Nas paredes do escritório de Marcelo Masagão, em Cotia, a 20 km do centro de São Paulo, imagens antigas e alguns cartazes, meio que "camuflados" por peças como uma maquete de avião, acompanham o ambiente estilizadamente rústico, típico das casas de seu bairro.
Nas prateleiras que ocupam esse cômodo -que era o "bunker" do Festival do Minuto até este ano, quando foi cancelado por falta de patrocínio- há vários livros e publicações, de assuntos que vão da psicanálise ao cinema.
CDs de backups utilizados para o longa "Nós Que Aqui Estamos por Vós Esperamos", o primeiro do cineasta, competem com fitas de VHS e de áudio.
Mas é o microcomputador PC, na mesa de Masagão, a mais valiosa das peças. Foi nele que o filme que estréia hoje em São Paulo foi concebido, graças a um programa de edição que custou US$ 2 mil, operado num Windows NT.
Financiado, em princípio, pela Fundação MacArthur, que projetava a criação de um CD-ROM sobre a história do século 20, o diretor encontrou, em 1996, o viés da banalização da morte para organizar a encomenda, que acabou se tornando um longa com imagens de arquivos norte-americanos, europeus e brasileiros, de filmes ficcionais, documentais e fotos.
Duas empresas e o próprio Masagão entraram, também, no financiamento. "Meu carro valeu R$ 14 mil em direitos autorais", disse, em entrevista à Folha.

Folha - Por que você optou pela banalização da morte?
Marcelo Masagão -
A morte vale muito pouco neste século, pela quantidade em que acontece. E o ser humano tem muita curiosidade a respeito da morte do outro. Eu digo do outro, porque da própria ninguém se permite lembrar.

Folha - A frase "O historiador é o rei" abre seu filme.
Masagão -
Fui militante trotskista nos anos 70, o que me fez ter conhecimento sobre fatos históricos. A esquerda perdeu o sentido para mim, mas continuei estudando, assistindo aulas de psicologia, cinema e história, saindo das apresentações do historiador Nicolau Sevcenko com os personagens na cabeça.

Folha - Por que você misturou ficção e realidade?
Masagão -
Realidade são vários pontos de vista parciais, embriagados. Os documentários sobre o século 20 começam falando de medicina para terminar falando sobre o Ford T. A montagem que faço no meu é para montar uma linha de pensamento. Mostro vários pontos de vista, a partir de várias imagens num único plano.

Folha - Assim como o cinema de Peter Greenaway.
Masagão -
Seu "O Livro de Cabeceira", de fato, me inspirou muito, assim como o cinema dos soviéticos, como o de Dziga Vertov, do qual inseri alguns trechos no meu longa, e de Buñuel.

Folha - Você não acha que seu filme usa muitos textos, que explicam demais as imagens?
Masagão -
Jean-Claude Bernadet disse que o século 20 é o século da imagem acompanhada das palavras. Não consegui me livrar da palavra, achei que tudo fosse ficar meio solto. Mas, apesar de eu explicá-las, o espectador sempre sai do cinema fazendo sua própria montagem, lembrando de uma e outra cenas, amarrando-as e tirando novas conclusões. Montando, ele está refletindo, fazendo cinema, e o filme não é mais meu.

Folha - Você fez seu longa sozinho, o que não custou muito.
Masagão -
Custou US$ 120 mil. O que facilitou foi fazê-lo em vídeo. Fazer superproduções de R$ 3 milhões no Brasil é inviável, é como criar baleia num bidê. E não pense que foi fácil bancar meu filme. Apresentei meu projeto a vários empresários, que nem sequer viam o copião. Apesar das leis de incentivo favorecerem sempre o empresariado, que abate impostos, este não entende nada de cultura, só de sabonete.

Folha - Por que o Brasil aparece pouco no filme, só com algumas imagens de "Powaaqatsi" e de Sebastião Salgado?
Masagão -
Porque não é um filme sobre o Brasil, mas sobre a banalização da morte no século.

Folha - Seu filme não vem sendo bem recebido em festivais de documentário europeus.
Masagão -
Já o estou chamando de filme-memória, não mais de documentário, pois ele está sendo mais aceito em festivais de ficção, onde seus organizadores são mais abertos e ousados. A atitude dos organizadores sisudos dos festivais de documentários europeus demonstra que burocratas não existem apenas no Brasil.

Folha - Você não acha o título de seu filme um tanto mórbido?
Masagão -
Não. "Nós Que Aqui Estamos por Vós Esperamos" foi um achado. É dizer que vamos todos virar pó. É reduzir o homem, que a tudo tenta dominar e se perpetuar, à condição de mortal.



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