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"Nós Que Aqui Estamos por Vós
Esperamos",
primeiro longa de
Marcelo Masagão,
quatro vezes
premiado, estréia
em São Paulo
Imagens de um século
PAULO SANTOS LIMA
especial para a Folha
Nas paredes do escritório de
Marcelo Masagão, em Cotia, a 20
km do centro de São Paulo, imagens antigas e alguns cartazes,
meio que "camuflados" por peças
como uma maquete de avião,
acompanham o ambiente estilizadamente rústico, típico das casas
de seu bairro.
Nas prateleiras que ocupam esse cômodo -que era o "bunker"
do Festival do Minuto até este
ano, quando foi cancelado por
falta de patrocínio- há vários livros e publicações, de assuntos
que vão da psicanálise ao cinema.
CDs de backups utilizados para
o longa "Nós Que Aqui Estamos
por Vós Esperamos", o primeiro
do cineasta, competem com fitas
de VHS e de áudio.
Mas é o microcomputador PC,
na mesa de Masagão, a mais valiosa das peças. Foi nele que o filme que estréia hoje em São Paulo
foi concebido, graças a um programa de edição que custou US$ 2
mil, operado num Windows NT.
Financiado, em princípio, pela
Fundação MacArthur, que projetava a criação de um CD-ROM sobre a história do século 20, o diretor encontrou, em 1996, o viés da
banalização da morte para organizar a encomenda, que acabou se
tornando um longa com imagens
de arquivos norte-americanos,
europeus e brasileiros, de filmes
ficcionais, documentais e fotos.
Duas empresas e o próprio Masagão entraram, também, no financiamento. "Meu carro valeu
R$ 14 mil em direitos autorais",
disse, em entrevista à Folha.
Folha - Por que você optou pela banalização da morte?
Marcelo Masagão - A morte vale muito pouco neste século, pela
quantidade em que acontece. E o
ser humano tem muita curiosidade a respeito da morte do outro.
Eu digo do outro, porque da própria ninguém se permite lembrar.
Folha - A frase "O historiador é
o rei" abre seu filme.
Masagão - Fui militante trotskista nos anos 70, o que me fez ter
conhecimento sobre fatos históricos. A esquerda perdeu o sentido
para mim, mas continuei estudando, assistindo aulas de psicologia, cinema e história, saindo
das apresentações do historiador
Nicolau Sevcenko com os personagens na cabeça.
Folha - Por que você misturou
ficção e realidade?
Masagão - Realidade são vários
pontos de vista parciais, embriagados. Os documentários sobre o
século 20 começam falando de
medicina para terminar falando
sobre o Ford T. A montagem que
faço no meu é para montar uma
linha de pensamento. Mostro vários pontos de vista, a partir de várias imagens num único plano.
Folha - Assim como o cinema
de Peter Greenaway.
Masagão - Seu "O Livro de Cabeceira", de fato, me inspirou
muito, assim como o cinema dos
soviéticos, como o de Dziga Vertov, do qual inseri alguns trechos
no meu longa, e de Buñuel.
Folha - Você não acha que seu
filme usa muitos textos, que explicam demais as imagens?
Masagão - Jean-Claude Bernadet disse que o século 20 é o século
da imagem acompanhada das palavras. Não consegui me livrar da
palavra, achei que tudo fosse ficar
meio solto. Mas, apesar de eu explicá-las, o espectador sempre sai
do cinema fazendo sua própria
montagem, lembrando de uma e
outra cenas, amarrando-as e tirando novas conclusões. Montando, ele está refletindo, fazendo
cinema, e o filme não é mais meu.
Folha - Você fez seu longa sozinho, o que não custou muito.
Masagão - Custou US$ 120 mil.
O que facilitou foi fazê-lo em vídeo. Fazer superproduções de R$
3 milhões no Brasil é inviável, é
como criar baleia num bidê. E não
pense que foi fácil bancar meu filme. Apresentei meu projeto a vários empresários, que nem sequer
viam o copião. Apesar das leis de
incentivo favorecerem sempre o
empresariado, que abate impostos, este não entende nada de cultura, só de sabonete.
Folha - Por que o Brasil aparece pouco no filme, só com algumas imagens de "Powaaqatsi" e
de Sebastião Salgado?
Masagão - Porque não é um filme sobre o Brasil, mas sobre a banalização da morte no século.
Folha - Seu filme não vem sendo bem recebido em festivais de
documentário europeus.
Masagão - Já o estou chamando
de filme-memória, não mais de
documentário, pois ele está sendo
mais aceito em festivais de ficção,
onde seus organizadores são mais
abertos e ousados. A atitude dos
organizadores sisudos dos festivais de documentários europeus
demonstra que burocratas não
existem apenas no Brasil.
Folha - Você não acha o título
de seu filme um tanto mórbido?
Masagão - Não. "Nós Que Aqui
Estamos por Vós Esperamos" foi
um achado. É dizer que vamos todos virar pó. É reduzir o homem,
que a tudo tenta dominar e se perpetuar, à condição de mortal.
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