São Paulo, Sexta-feira, 06 de Agosto de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CINEMA - "CORAÇÕES APAIXONADOS"
Comédia coloca dramas afetivos na fôrma

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

"Corações Apaixonados" entrelaça as histórias de personagens de várias idades e profissões, interpretados por atores famosos, na cidade de Los Angeles.
A inevitável comparação com "Short Cuts" só pode ser feita por contraste. O que o filme de Robert Altman tinha de inesperado e de criativo, "Corações Apaixonados" tem de quadrado.
Se a vida aparecia, no primeiro, como algo fugidio, inapreensível e cheio de arestas, no segundo ela é domesticada como um enredo de telenovela.
A estrutura do filme é tão rígida que revela muito mais uma consciência da fôrma do que propriamente da forma.
Cada episódio narrado paralelamente por "Corações Apaixonados" resume-se, a rigor, a um diálogo (no sentido restrito, de falatório) entre dois personagens. E cada um tem um cenário chapado, de teatro ou "sitcom", onde se desenvolve.
Há o casal de velhos (Sean Connery e Gena Rowlands) cuja convivência de 40 anos é abalada por duas notícias: um câncer terminal do marido e a descoberta de que ele teve um romance extraconjugal décadas atrás. O cenário é a residência do casal, usada como cenário para o programa televisivo de receitas que produzem.
Há a mãe compassiva (Ellen Burstyn) que consola o filho (Jay Mohr), paciente terminal de Aids, num quarto de hospital, e o casal de amantes (Madeleine Stowe e Anthony Edwards) que se encontra furtivamente em quartos de hotel.
A essa altura o leitor já terá notado o recurso aos temas mais à mão nos dramas holywoodianos de hoje: Aids, câncer, adultério.
Há também os jovens que se desencontram em boates (Angelina Jolie e Ryan Phillippe) e, por fim, a publicitária de sucesso (Gillian Anderson) que se esquiva de um pretendente "too good to be true" (Jon Stewart).
Esses diálogos, filmados num aborrecido campo/contracampo, obedecem a um padrão imutável: um desencontro inicial, um momento cômico e o desfecho melodramático, induzido por uma música que parece acionada, na hora prevista, por um botão.
Até as passagens de tempo que servem de ligação entre as histórias paralelas são sempre idênticas: o amanhecer ou o anoitecer sobre a cidade, filmados em altíssima velocidade.
A situação mais interessante e provocadora -a do homem (Dennis Quaid) que em cada bar conta um drama diferente sobre sua vida a uma pessoa desconhecida- não demora a ser, também ela, encaixotada nas explicaçõezinhas burguesas que norteiam tudo.
"Calma, espectador", o filme se apressa em dizer, "ele é uma pessoa normal, que está só fazendo um exercício de improviso para um curso de teatro. Não precisa se engasgar com a pipoca".
Do mesmo modo, toda e qualquer inquietação surgida ao longo do filme vai sendo dissipada oportunamente, até que os nexos entre todas as histórias se esclarecem no final melosamente feliz, aliás uma apologia do casamento de que não são mais capazes nem as telenovelas mais caretas.
É possível, é até provável, que "Corações Apaixonados" faça muito sucesso. Afinal, para alguma coisa devem valer os programas de computador destinados a criar "filmes que funcionam".
Uma última observação: uma vez na vida, o tolo título nacional tem mais a ver com o filme. O original, "Playing by Heart", emprestado da música, sugere uma idéia de sentimento e improviso. Nada mais enganoso.


Avaliação:  



Filme: Corações Apaixonados Direção: Willard Carroll Com: Sean Connery, Ellen Burstyn, Gena Rowlands, Dennis Quaid Quando: a partir de hoje nos cines Center Iguatemi 2, Central Plaza 9 e circuito


Texto Anterior: Netvox: Maiores, mas ainda não melhores
Próximo Texto: Curtas devassam metrópoles brasileiras
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.