São Paulo, domingo, 06 de novembro de 2005

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CRÍTICA

Falta um propósito a "Bang Bang"

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Os bastidores das novelas estão, eles mesmos, fornecendo tramas dramáticas às vezes mais interessantes dos que as da ficção. "Bang Bang" nem bem estreou, cercadíssima de expectativa, e já passou pelo afastamento do seu principal autor, Mario Prata, e por uma mudança brusca de seus motivos iniciais, a reconstrução mítica do universo dos faroestes.
Tem se tornado uma espécie de praxe -em "América", o diretor foi quem caiu fora poucas semanas após o início da trama- a tentativa de correção de rumos em um momento bastante inicial das novelas. E é de perguntar por que, em se tratando de um produto tão caro quanto novela, se espera o teste da audiência para serem tomadas atitudes tão radicais quanto a substituição de um diretor ou de um autor.
Claro, o negócio de produzir bens simbólicos não é, ainda bem, completamente preciso. Por mais manipulável que seja o gosto dos espectadores, há uma margem sempre indomável do subjetivo. Ou seja, há um imponderável na recepção de qualquer projeto de ficção -mesmo que seja uma obra "aberta" como uma novela.
Mas, ainda assim, deve haver algumas maneiras de pressupor a eficiência, ou não, de um roteiro antes ainda que ele comece a ser produzido e muito antes de ir para o ar.
Em "Bang Bang", o "culpado" oficial foi a referência aos filmes de bangue-bangue, que seriam muito específicas e distantes do universo cultural da audiência de novelas.
Será que isso importa, de fato, a um audiência que vem se acostumando a passos largos com a inverosimilhança e a incoerência?
Se o universo mítico do faroeste não faz sentido, o que dizer dos vampiros, que volta e meia servem de mote em novelas das sete? Ou de grupos étnicos fechados como o dos ciganos? E os melodramas latinos do SBT, que muita vezes se passam em tempos e espaços míticos -mais indefinidos, por certo, mas também construídos a partir de referências não-familiares?
O que parece ter faltado a "Bang Bang" é um propósito a isso tudo, ou seja, para que esse Velho Oeste foi escolhido como cenário? Aparentemente, para fazer algumas piadas, parodiar o diretor americano Quentin Tarantino em "Kill Bill" e contar uma historinha convencional...
A pergunta é ainda mais pertinente -e melancólica, em certo sentido- quando se recorda que Mario Prata foi o autor de "Estúpido Cupido", uma novela que soube utilizar lindamente um período histórico como metáfora. Era 1976, a ditadura militar começava a mostrar suas rachaduras e o deslocamento da ação para o início do anos 60 permitiu que se tratasse de questões como a rebeldia contra o conservadorismo e o autoritarismo -que estavam na ordem do dia àquela época- de forma mais solta e eficaz do que se se fizesse uma novela contemporânea.

biabramo.tv@uol.com.br

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