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CRÍTICA
Falta um propósito a "Bang Bang"
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Os bastidores das novelas
estão, eles mesmos, fornecendo tramas dramáticas às vezes mais interessantes dos que as
da ficção. "Bang Bang" nem bem
estreou, cercadíssima de expectativa, e já passou pelo afastamento do seu principal autor,
Mario Prata, e por uma mudança
brusca de seus motivos iniciais, a
reconstrução mítica do universo
dos faroestes.
Tem se tornado uma espécie de
praxe -em "América", o diretor
foi quem caiu fora poucas semanas após o início da trama- a
tentativa de correção de rumos
em um momento bastante inicial
das novelas. E é de perguntar por
que, em se tratando de um produto tão caro quanto novela, se
espera o teste da audiência para
serem tomadas atitudes tão radicais quanto a substituição de um
diretor ou de um autor.
Claro, o negócio de produzir
bens simbólicos não é, ainda
bem, completamente preciso.
Por mais manipulável que seja o
gosto dos espectadores, há uma
margem sempre indomável do
subjetivo. Ou seja, há um imponderável na recepção de qualquer
projeto de ficção -mesmo que
seja uma obra "aberta" como
uma novela.
Mas, ainda assim, deve haver
algumas maneiras de pressupor
a eficiência, ou não, de um roteiro antes ainda que ele comece a
ser produzido e muito antes de ir
para o ar.
Em "Bang Bang", o "culpado"
oficial foi a referência aos filmes
de bangue-bangue, que seriam
muito específicas e distantes do
universo cultural da audiência de
novelas.
Será que isso importa, de fato, a
um audiência que vem se acostumando a passos largos com a inverosimilhança e a incoerência?
Se o universo mítico do faroeste não faz sentido, o que dizer dos
vampiros, que volta e meia servem de mote em novelas das sete? Ou de grupos étnicos fechados como o dos ciganos? E os
melodramas latinos do SBT, que
muita vezes se passam em tempos e espaços míticos -mais indefinidos, por certo, mas também construídos a partir de referências não-familiares?
O que parece ter faltado a
"Bang Bang" é um propósito a isso tudo, ou seja, para que esse
Velho Oeste foi escolhido como
cenário? Aparentemente, para
fazer algumas piadas, parodiar o
diretor americano Quentin Tarantino em "Kill Bill" e contar
uma historinha convencional...
A pergunta é ainda mais pertinente -e melancólica, em certo
sentido- quando se recorda
que Mario Prata foi o autor de
"Estúpido Cupido", uma novela
que soube utilizar lindamente
um período histórico como metáfora. Era 1976, a ditadura militar começava a mostrar suas rachaduras e o deslocamento da
ação para o início do anos 60 permitiu que se tratasse de questões
como a rebeldia contra o conservadorismo e o autoritarismo
-que estavam na ordem do dia
àquela época- de forma mais
solta e eficaz do que se se fizesse
uma novela contemporânea.
biabramo.tv@uol.com.br
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