São Paulo, sexta, 6 de novembro de 1998

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"CIDADE DAS SOMBRAS"
ETs atacam agora a memória

PAULO VIEIRA
especial para a Folha

O roteirista David Goyer garantiu o uísque das crianças de seus bisnetos escrevendo enredos confusos. Com "Cidade das Sombras" levou seu projeto ocultista ao paroxismo. (Também está em cartaz em São Paulo com "Blade", mas esta será a última vez que você me ouve proferir tal nome.)
São roteiros confusos, mas na verdade partem da idéia basilar do cinema de ação, a que opõe mocinhos a bandidos. Daí Goyer injeta um pouco de questões supostamente metafísicas, um clima pós-hecatombe, indicações para cortes rápidos, passa no caixa e gasta tudo em arte conceitual.
Este "Cidade das Sombras", dirigido por Alex Proyas, de "O Corvo", quer falar de homens privados de sua capacidade mnemônica, ficando então sujeitos à dominação por seres alienígenas.
Não nos é facultada a informação de como tais entes chegaram à cidade dos humanos. Sabemos que possuem extraordinários poderes, são capazes de criar edifícios em instantes e paralisar o mundo com alguns exercícios de concentração -que chamam, delicadamente, de "sintonização".
Há de haver algum obstáculo a seus planos expansionistas, e ele está encarnado na figura de John Murdoch (Rufus Sewell), que, por alguma razão também insuficientemente explicada, não sucumbe à dominação intelectual estrangeira.
Em tudo e por tudo, "Cidade" cita "Blade" -opa, quebrei a vaca amarela!- e vice-versa, só trocando os vampiros recém-convertidos pelos humanos afásicos e o herói negro em roupas ridículas por um branquelo tísico.
É bem verdade que Murdoch-Blade (arre) não conta com a simpatia de seus pares, pois é visto como um serial killer ocasional. Donde surge um detetive interpretado por William Hurt em performance auto-referente e uma belíssima cônjuge (Jennifer Connelly), cuja missão é estar com o marido até que a morte os separe.
Por algumas fugidias sequências, o filme resvala numa questão elevada, que é a maneira de como se chegar à privação talvez mais extrema da liberdade individual: a perda da própria história.
As lembranças do Murdoch menino, criado numa praia da periferia de Dark City (sempre evocada por um outdoor em cores vivas), dão um pouco de poesia ao entrecho e fazem até que creiamos um pouco na nossa própria "raça".
Mas se a partir disso é possível criar obras pungentes -a (des) lembrança de José Cardoso Pires é óbvia aqui-, cumpre constatar que Hollywood possui alguns compromissos comerciais. Por esse viés, "Cidade das Sombras" nem é tão ruim assim.
²
Filme: Cidade das Sombras Produção: EUA, 1998 Direção: Alex Proyas Com: Rufus Sewell, William Hurt, Kiefer Sutherland, Jennifer Connely Quando: a partir de hoje, nos cines Metrô Tatuapé 7, Gemini, Eldorado 6 e circuito



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