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"CIDADE DAS SOMBRAS"
ETs atacam agora a memória
PAULO VIEIRA
especial para a Folha
O roteirista David Goyer garantiu o uísque das crianças de seus
bisnetos escrevendo enredos confusos. Com "Cidade das Sombras"
levou seu projeto ocultista ao paroxismo. (Também está em cartaz
em São Paulo com "Blade", mas
esta será a última vez que você me
ouve proferir tal nome.)
São roteiros confusos, mas na
verdade partem da idéia basilar do
cinema de ação, a que opõe mocinhos a bandidos. Daí Goyer injeta
um pouco de questões supostamente metafísicas, um clima pós-hecatombe, indicações para cortes
rápidos, passa no caixa e gasta tudo em arte conceitual.
Este "Cidade das Sombras", dirigido por Alex Proyas, de "O Corvo", quer falar de homens privados de sua capacidade mnemônica, ficando então sujeitos à dominação por seres alienígenas.
Não nos é facultada a informação
de como tais entes chegaram à cidade dos humanos. Sabemos que
possuem extraordinários poderes,
são capazes de criar edifícios em
instantes e paralisar o mundo com
alguns exercícios de concentração
-que chamam, delicadamente, de
"sintonização".
Há de haver algum obstáculo a
seus planos expansionistas, e ele
está encarnado na figura de John
Murdoch (Rufus Sewell), que, por
alguma razão também insuficientemente explicada, não sucumbe à
dominação intelectual estrangeira.
Em tudo e por tudo, "Cidade" cita "Blade" -opa, quebrei a vaca
amarela!- e vice-versa, só trocando os vampiros recém-convertidos
pelos humanos afásicos e o herói
negro em roupas ridículas por um
branquelo tísico.
É bem verdade que Murdoch-Blade (arre) não conta com a simpatia de seus pares, pois é visto como um serial killer ocasional.
Donde surge um detetive interpretado por William Hurt em performance auto-referente e uma belíssima cônjuge (Jennifer Connelly),
cuja missão é estar com o marido
até que a morte os separe.
Por algumas fugidias sequências,
o filme resvala numa questão elevada, que é a maneira de como se
chegar à privação talvez mais extrema da liberdade individual: a
perda da própria história.
As lembranças do Murdoch menino, criado numa praia da periferia de Dark City (sempre evocada
por um outdoor em cores vivas),
dão um pouco de poesia ao entrecho e fazem até que creiamos um
pouco na nossa própria "raça".
Mas se a partir disso é possível
criar obras pungentes -a (des)
lembrança de José Cardoso Pires é
óbvia aqui-, cumpre constatar
que Hollywood possui alguns
compromissos comerciais. Por esse viés, "Cidade das Sombras" nem
é tão ruim assim.
²
Filme: Cidade das Sombras
Produção: EUA, 1998
Direção: Alex Proyas
Com: Rufus Sewell, William Hurt, Kiefer
Sutherland, Jennifer Connely
Quando: a partir de hoje, nos cines Metrô
Tatuapé 7, Gemini, Eldorado 6 e circuito
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