RICARDO CALIL
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Por uma bem-vinda coincidência, três dos mais inventivos cineastas americanos da atualidade decidiram adaptar clássicos da literatura infantojuvenil ao mesmo tempo. Tim Burton dedicou-se a uma versão ainda inédita de "Alice no País das Maravilhas", a nada pueril obra de Lewis Carroll. Wes Anderson fez uma sensacional recriação de "O Fantástico Sr. Raposo", de Roald Dahl. E Spike Jonze ficou com a árdua tarefa de levar para as telas "Onde Vivem os Monstros", de Maurice Sendak.
Árdua porque o livro original de 1963 tem apenas um punhado de frases. Ou seja, Jonze precisou construir uma narrativa de longa a partir de um fiapo de trama, sobre um garoto de oito anos (Max Records) que, após uma briga com a mãe (Catherine Keener), foge para um mundo fantástico habitado por monstros, transforma-se em rei e lida com o comportamento instável das criaturas.
O cineasta foi corajoso na adaptação dessa fábula sobre a perda da inocência, o poder da imaginação e a noção de responsabilidade. Em vez de uma visão edulcorada sobre a infância da maioria das franquias hollywoodianas, Jonze apresenta esse período da vida como um rito de passagem que tem também seus momentos de dor, tédio e melancolia -olhar que causou desavenças do diretor com o estúdio e que tornou o resultado interessante também para os adultos.
De quebra, Jonze traduz o universo visual do livro com uma encantadora mistura de artesanal e tecnológico, com criaturas feitas de bonecos em tamanho real e expressões manipuladas digitalmente.
Mas "Onde Vivem os Monstros" também reafirma certas limitações da obra de Jonze.
Diretor egresso do clipe, ele demonstra mais talento para criar alguns momentos de grande beleza e impacto do que fôlego para articulá-los em uma narrativa envolvente -o que, nesse caso, é dificultado pelo caráter rarefeito do livro de Sendak.
Ainda assim, ao lado do novo trabalho de Anderson, o filme de Jonze paira acima do divertimento pré-fabricado geralmente oferecido às crianças.