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Criador do drama "A Família Soprano" critica excesso de diálogo na TV e banalidade das imagens
O poderoso chefão
VIRGINIA HEFFERNAN
DO "NEW YORK TIMES"
Hoje, depois de um hiato de 15
meses, "A Família Soprano" retorna à HBO norte-americana para sua quinta temporada -como
sempre, sob a égide de David
Chase, o criador e produtor-executivo do programa.
Em entrevista, Chase fala do legado do programa, dos riscos inerentes à terapia e do horror que é a
televisão aberta.
Pergunta - Em que "A Família Soprano" difere do resto da televisão
norte-americana?
David Chase - A função de um
drama de uma hora de duração é
tranqüilizar a população americana, dizer a ela que está tudo bem
em sair para fazer compras. É bajular a platéia, fazê-la sentir como
se todas as figuras de autoridade
quisessem defender o que é melhor para o público. Mas "A Família Soprano" não faz isso.
Pergunta - Quais são as distinções formais entre "A Família Soprano" e os programas das grandes
redes?
Chase - A televisão feita pelas
grandes redes é basicamente falação. Acho que um programa deve
conter elementos visuais, deve ter
algum senso de mistério, algumas
conexões que não dão certo. Acho
que deve haver sonhos, música,
coisas que não vão para lugar nenhum. Deus me perdoe, deve haver também um pouco de poesia.
Pergunta - Por que, você acha, a
televisão aberta não consegue fazer tudo isso?
Chase - A televisão é prisioneira
do diálogo e do "steady-cam". É o
estilo moderno.
Pergunta - E o que você prefere?
Chase - Prefiro ficar sentado no
consultório da terapeuta para
uma cena de 12 minutos. Existe
uma regra em "A Família Soprano": a câmera no consultório da
terapeuta não se move. Achei que
não deveríamos dizer "ei, esta é a
parte importante". Eu quero que
tudo tenha o mesmo destaque.
Quero que o público tenha de
concluir o que é importante.
Pergunta - Alguém no programa
fala a verdade?
Chase - Acho que Tony e Carmela [sua mulher] falam honestamente um com o outro. Tony fala
de seus sentimentos com bastante
honestidade, exceto pelo fato de
ser infiel. E ela, por questão de
"treinamento", nunca menciona
o que Tony faz. Assim, duas mentiras enormes são a base da relação deles dois.
Pergunta - Uma das mentiras
mais comuns no programa é a maneira como Tony se refere a Christopher como sendo seu sobrinho.
Será que ele não quer admitir que
seu herdeiro indicado é apenas um
parente muito distante?
Chase - Não há mais jovens iniciados na Máfia que tenham qualquer parentesco com Tony, mesmo que distante. Tony tem esse
sentimento de que estamos sozinhos no universo e que as únicas
pessoas que realmente se importam conosco são as da família.
Pergunta - Se Tony dá tanta importância a poder confiar na família, por que seu filho não está sendo preparado para assumir o negócio da família?
Chase - Tony já disse no programa: "Meu filho não sobreviveria".
Mas, se o filho se encaminhasse
para a vida criminosa, Tony não
tentaria impedi-lo. Mas acho que
ele não se importa com quem vai
chefiar a família Soprano quando
ele se for. Tony fala do futuro da
família e sobre seu lugar na história, mas o que ele quer é ter sucesso e tirar o máximo possível da família. Ele não se preocupa muito
com a continuidade. Ele jamais
diria isso, jamais admitiria que isso é verdade. O que vai acontecer
com a família depois que ele se for
não o interessa. É tudo da boca
para fora.
Pergunta - Você acha que a televisão faz mal para as pessoas?
Chase - Na televisão está a base
de muitos de nossos problemas.
Ela trivializa tudo. Não existe
mais mistério -já vimos tudo 50
mil vezes. E, para fazer o monótono ficar interessante, tudo é exagerado. Acho que o terrorismo,
por exemplo, é uma questão de
televisão: o que essas imagens na
TV mostram? Como elas são passadas e repassadas até ficarem totalmente destituídas de sentido. E
a próxima tem de ser algo ainda
mais radical. Hoje em dia, parece
que a TV divide muito as pessoas.
Na verdade, acho que é um fator
de isolamento.
Pergunta - Quer dizer então que
você tem pruridos morais em relação a trabalhar na televisão?
Chase - Tenho. Nunca quis trabalhar na TV. Fiz pelo dinheiro.
Sempre quis trabalhar no cinema,
mas não consegui dar esse salto.
Estou farto do formato da TV.
Tradução Clara Allain
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