São Paulo, domingo, 07 de março de 2004

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Criador do drama "A Família Soprano" critica excesso de diálogo na TV e banalidade das imagens

O poderoso chefão

VIRGINIA HEFFERNAN
DO "NEW YORK TIMES"

Hoje, depois de um hiato de 15 meses, "A Família Soprano" retorna à HBO norte-americana para sua quinta temporada -como sempre, sob a égide de David Chase, o criador e produtor-executivo do programa.
Em entrevista, Chase fala do legado do programa, dos riscos inerentes à terapia e do horror que é a televisão aberta.

Pergunta - Em que "A Família Soprano" difere do resto da televisão norte-americana?
David Chase -
A função de um drama de uma hora de duração é tranqüilizar a população americana, dizer a ela que está tudo bem em sair para fazer compras. É bajular a platéia, fazê-la sentir como se todas as figuras de autoridade quisessem defender o que é melhor para o público. Mas "A Família Soprano" não faz isso.

Pergunta - Quais são as distinções formais entre "A Família Soprano" e os programas das grandes redes?
Chase -
A televisão feita pelas grandes redes é basicamente falação. Acho que um programa deve conter elementos visuais, deve ter algum senso de mistério, algumas conexões que não dão certo. Acho que deve haver sonhos, música, coisas que não vão para lugar nenhum. Deus me perdoe, deve haver também um pouco de poesia.

Pergunta - Por que, você acha, a televisão aberta não consegue fazer tudo isso?
Chase -
A televisão é prisioneira do diálogo e do "steady-cam". É o estilo moderno.

Pergunta - E o que você prefere?
Chase -
Prefiro ficar sentado no consultório da terapeuta para uma cena de 12 minutos. Existe uma regra em "A Família Soprano": a câmera no consultório da terapeuta não se move. Achei que não deveríamos dizer "ei, esta é a parte importante". Eu quero que tudo tenha o mesmo destaque. Quero que o público tenha de concluir o que é importante.

Pergunta - Alguém no programa fala a verdade?
Chase -
Acho que Tony e Carmela [sua mulher] falam honestamente um com o outro. Tony fala de seus sentimentos com bastante honestidade, exceto pelo fato de ser infiel. E ela, por questão de "treinamento", nunca menciona o que Tony faz. Assim, duas mentiras enormes são a base da relação deles dois.

Pergunta - Uma das mentiras mais comuns no programa é a maneira como Tony se refere a Christopher como sendo seu sobrinho. Será que ele não quer admitir que seu herdeiro indicado é apenas um parente muito distante?
Chase -
Não há mais jovens iniciados na Máfia que tenham qualquer parentesco com Tony, mesmo que distante. Tony tem esse sentimento de que estamos sozinhos no universo e que as únicas pessoas que realmente se importam conosco são as da família.

Pergunta - Se Tony dá tanta importância a poder confiar na família, por que seu filho não está sendo preparado para assumir o negócio da família?
Chase -
Tony já disse no programa: "Meu filho não sobreviveria". Mas, se o filho se encaminhasse para a vida criminosa, Tony não tentaria impedi-lo. Mas acho que ele não se importa com quem vai chefiar a família Soprano quando ele se for. Tony fala do futuro da família e sobre seu lugar na história, mas o que ele quer é ter sucesso e tirar o máximo possível da família. Ele não se preocupa muito com a continuidade. Ele jamais diria isso, jamais admitiria que isso é verdade. O que vai acontecer com a família depois que ele se for não o interessa. É tudo da boca para fora.

Pergunta - Você acha que a televisão faz mal para as pessoas?
Chase -
Na televisão está a base de muitos de nossos problemas. Ela trivializa tudo. Não existe mais mistério -já vimos tudo 50 mil vezes. E, para fazer o monótono ficar interessante, tudo é exagerado. Acho que o terrorismo, por exemplo, é uma questão de televisão: o que essas imagens na TV mostram? Como elas são passadas e repassadas até ficarem totalmente destituídas de sentido. E a próxima tem de ser algo ainda mais radical. Hoje em dia, parece que a TV divide muito as pessoas. Na verdade, acho que é um fator de isolamento.

Pergunta - Quer dizer então que você tem pruridos morais em relação a trabalhar na televisão?
Chase -
Tenho. Nunca quis trabalhar na TV. Fiz pelo dinheiro. Sempre quis trabalhar no cinema, mas não consegui dar esse salto. Estou farto do formato da TV.


Tradução Clara Allain


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