|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Opinião
Evento mostra vontade de retomar as ruas
GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA
Passei boa parte da madrugada caminhando
pelas ruas do centro,
menos preocupado em assistir
aos shows do que apreciar a
movimentação das tribos.
Numa cidade tão temerosa
de suas ruas, retalhada em guetos que diziam a idéia de espaço
público, o burburinho humano
me parecia muito mais interessante do que qualquer espetáculo -o paulistano não está habituado a manifestações públicas de alegria, tamanha a violência que vivemos.
Senti uma certa irrealidade,
como se voltasse no tempo
quando, menino, caminhava
sem medo pelas ruas do centro,
encantado com a elegância das
lojas ou com a animação das livrarias e cinemas.
A selvageria que ocorreu na
praça da Sé é, certamente, um
episódio isolado, provocado
por um grupo de arruaceiros,
um minúsculo ponto da gigantesca paisagem humana dos
que se divertiam ouvindo rock,
rap, boleros, sambas, repentes.
Fala-se que a Virada Cultural
teria atraído 3,5 milhões de
pessoas, mas os arruaceiros
que ganharam as manchetes
não seriam mais do que 30 jovens. Sob esse aspecto, o evento
seria um sucesso.
Os arruaceiros, porém, me
trouxeram à realidade paulistana, ou melhor, à nossa tragédia
metropolitana, na qual eles são
exércitos de seres agressivos,
ressentidos, sempre à espera de
um pretexto para explodir, seja
ele qual for; uma letra de música de Mano Brown ou a inabilidade policial.
A Virada Cultural são 24 horas de festa e revela mais do que
um evento cultural, mas uma
vontade de reconquistar as
ruas e não nos fazer uma comunidade de acuados; a selvageria
nos tira a ilusão de como essa
tarefa é um desafio de toda uma
geração.
Texto Anterior: Virada tem recorde de público e lota centro Próximo Texto: Guilherme Wisnik: Cidade moderna e contemporânea Índice
|