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GUILHERME WISNIK
Cidade moderna e contemporânea
Os urbanistas continuaram tendo em mente uma sociedade pré-1914 como destinatária de seus projetos
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POR QUE é que, desde os anos
60, o urbanismo perdeu o
prestígio que ostentou durante tanto tempo, ficando associado a
uma prática encastelada e tecnocrática? Essa é a pergunta que move o
livro "Primeira Lição de Urbanismo", de Bernardo Secchi (professor
nas universidades de Milão e Veneza), recentemente lançado no Brasil
(Perspectiva, R$ 36, 211 págs.).
O livro, apesar do título modesto,
não é superficial ou didático, mas
um estudo de referência em uma coleção italiana que aprofunda temas
atuais. No caso, a hipótese de resposta do autor para a pergunta inicial é a compreensão tardia, pelos
urbanistas, da passagem da cidade
moderna à contemporânea. Quer
dizer o seguinte: com a aceleração da
comunicação, a revolução no transporte motorizado e a oferta exponencial de bens de consumo, o período entre as duas guerras mundiais engendrou uma sociedade profundamente diversa da anterior. Enquanto isso, os urbanistas continuaram, ao longo do século, tendo em
mente uma sociedade pré-1914 como destinatária dos seus projetos,
cuja unidade básica era a família nuclear operária vivendo em alojamentos-tipo.
Como explica Secchi, a experiência moderna na cidade implicou distanciar e separar seus elementos
constitutivos, o que se traduz na noção de zoneamento e na obsessão higienista pela eficiência e funcionalidade. Separando os espaços de moradia e trabalho, ela substituiu a afetividade difusa da cidade antiga pela
intimidade da família, elevando, ao
mesmo tempo, a fábrica a local da
sociabilidade cotidiana, em substituição à rua e ao mercado. Ocorre
que já há algum tempo a experiência
urbana ocorre em um espaço mais
dilatado, cuja tônica é dada pela dispersão espacial e pela mescla de pessoas e serviços. Instável por definição, a cidade contemporânea vive da
obsolescência e desativação de edifícios (fábricas, penitenciárias, quartéis) e áreas da cidade (centros históricos, portos, pátios ferroviários),
desterritorializando atividades e
criando novas centralidades que
desfazem as antigas hierarquias espaciais.
Pela própria escala desses conglomerados, muitos dos lugares de sociabilidades das novas massas urbanas (shoppings, estádios, aeroportos, discotecas, ginásios de esporte,
parques de diversão) são equipamentos ruidosos que acabam se dispersando no território expandido
das cidades, graças à mobilidade
proporcionada pelo automóvel. Assim, se durante todo o período industrial o transporte foi uma força
agregadora, na cidade pós-industrial
ele atua como pulverizador de hierarquias e valores posicionais.
Desde os anos 70, diz Secchi, muitos urbanistas deixaram seus castelos de índices e gráficos e voltaram a caminhar pela cidade, resgatando,
como antropólogos, uma vivência
concreta do seu objeto de estudo.
Trata-se, agora, de retomar uma visão sistêmica, com um novo distanciamento que permita enxergar essa
ordem complexa como uma escritura "nota por nota", em analogia à
partitura musical. Seu livro é, sem
duvida, um primeiro passo nessa direção.
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