São Paulo, segunda-feira, 07 de maio de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

GUILHERME WISNIK

Cidade moderna e contemporânea


Os urbanistas continuaram tendo em mente uma sociedade pré-1914 como destinatária de seus projetos

POR QUE é que, desde os anos 60, o urbanismo perdeu o prestígio que ostentou durante tanto tempo, ficando associado a uma prática encastelada e tecnocrática? Essa é a pergunta que move o livro "Primeira Lição de Urbanismo", de Bernardo Secchi (professor nas universidades de Milão e Veneza), recentemente lançado no Brasil (Perspectiva, R$ 36, 211 págs.).
O livro, apesar do título modesto, não é superficial ou didático, mas um estudo de referência em uma coleção italiana que aprofunda temas atuais. No caso, a hipótese de resposta do autor para a pergunta inicial é a compreensão tardia, pelos urbanistas, da passagem da cidade moderna à contemporânea. Quer dizer o seguinte: com a aceleração da comunicação, a revolução no transporte motorizado e a oferta exponencial de bens de consumo, o período entre as duas guerras mundiais engendrou uma sociedade profundamente diversa da anterior. Enquanto isso, os urbanistas continuaram, ao longo do século, tendo em mente uma sociedade pré-1914 como destinatária dos seus projetos, cuja unidade básica era a família nuclear operária vivendo em alojamentos-tipo.
Como explica Secchi, a experiência moderna na cidade implicou distanciar e separar seus elementos constitutivos, o que se traduz na noção de zoneamento e na obsessão higienista pela eficiência e funcionalidade. Separando os espaços de moradia e trabalho, ela substituiu a afetividade difusa da cidade antiga pela intimidade da família, elevando, ao mesmo tempo, a fábrica a local da sociabilidade cotidiana, em substituição à rua e ao mercado. Ocorre que já há algum tempo a experiência urbana ocorre em um espaço mais dilatado, cuja tônica é dada pela dispersão espacial e pela mescla de pessoas e serviços. Instável por definição, a cidade contemporânea vive da obsolescência e desativação de edifícios (fábricas, penitenciárias, quartéis) e áreas da cidade (centros históricos, portos, pátios ferroviários), desterritorializando atividades e criando novas centralidades que desfazem as antigas hierarquias espaciais.
Pela própria escala desses conglomerados, muitos dos lugares de sociabilidades das novas massas urbanas (shoppings, estádios, aeroportos, discotecas, ginásios de esporte, parques de diversão) são equipamentos ruidosos que acabam se dispersando no território expandido das cidades, graças à mobilidade proporcionada pelo automóvel. Assim, se durante todo o período industrial o transporte foi uma força agregadora, na cidade pós-industrial ele atua como pulverizador de hierarquias e valores posicionais.
Desde os anos 70, diz Secchi, muitos urbanistas deixaram seus castelos de índices e gráficos e voltaram a caminhar pela cidade, resgatando, como antropólogos, uma vivência concreta do seu objeto de estudo. Trata-se, agora, de retomar uma visão sistêmica, com um novo distanciamento que permita enxergar essa ordem complexa como uma escritura "nota por nota", em analogia à partitura musical. Seu livro é, sem duvida, um primeiro passo nessa direção.


Texto Anterior: Opinião: Evento mostra vontade de retomar as ruas
Próximo Texto: PM e fãs dos Racionais se enfrentam na praça da Sé
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.