São Paulo, sábado, 07 de julho de 2007

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FÁBIO DE SOUZA ANDRADE

Chegando tarde


Paulo Henriques Britto não é poeta de gabinete, mas tampouco nasceu ontem. Recusa-se ao catártico


SEM CAIR no rebuliço frenético de chapeleiro louco, agitação espúria de quem troca de estilo com a impaciência dos que experimentam chapéus, a poesia de Paulo Henriques Britto se reconhece tardia e se rende aos balanços: "Nada ficou por cantar,/ nem mesmo o não-ter-mais-o-que-cantar".
Contra os que nele acusam formalismo neoparnasiano, crepuscular, sua resposta vem em versos e soluções que, a cavaleiro no clássico, têm um quê, voluntário e moderno, de esquerdo, esquivo e brincalhão.
"Tarde", sua quinta e recém-lançada coletânea de poemas, acolhe inúmeras variações de formas fixas: sonetos amputados ou mancos, tercinas pedestres, autotraduções (Britto, professor de teoria e prática da tradução na PUC carioca, escreve também em inglês), gazéis, um "Noturno com ar condicionado".
Sob esta variedade de aspectos, o poeta considera -com ironia, sim, mas levando a sério-, a relação entre a literatura e seu avesso, a realidade, "coisa delicada/ de se pegar com a ponta dos dedos" e residual, "excremento das palavras".
Parte da constatação de um mundo doente ("O mundo está fora de esquadro./ Na tênue moldura da mente/ as coisas não cabem direito") e de uma consciência instável, mas foge de uma presença ostensiva, soletrada, das injustiças do mundo.
Paulo Henriques Britto não é nefelibata, poeta de gabinete, mas tampouco nasceu ontem. Por conhecer bem a tradição, recusa-se ao espontaneísmo catártico, soterrado pela urgência do presente. Poeta de "Mínima Lírica" (1982-1989), "Trovar Claro" (1997) e "Macau" (2003), tradutor excelente, contista ocasional de "Paraísos Artificiais" (2004), não renunciou à "carpa magra de ambigüidade" perseguida pelo modernismo, nem a suas conquistas de simplificação coloquial e concretude.
Soma-lhe o exame minucioso e (im)perito da linguagem, mediação inescapável entre o sujeito e o mundo, propondo, para tempos de "mínimo eu", uma "mínima lírica": "Nada de mergulhos./ É na superfície que o real, minúsculo plâncton, se trai", portanto, "guarda esse escafandro, meu filho. Só o raso é cool. A dor é kitsch".
Os diálogos com modelos ilustres não se restringem a mero jogo erudito e habilidoso. Abrem-se para a relação entre o poema, "pequeno sol de bolso" como a aspirina cabralina, e o outro sol, "importátil", que revela "dura, doída, suportável/ a humana condição", instalando-se na aporia, onde prenúncios se confundem com o fim. A poesia tardia de Paulo Henriques Britto sabe que "o real das coisas se revela/ na forma nada transcendente/ de uma paisagem na janela", mas também nas ausências, "furos de pregos/ numa parede vazia/ a insinuar uma constelação/ isenta de qualquer mitologia".
O esforço que anima seus livros é o de, não omitindo a natureza tortuosa da linguagem (uma "porrada de problemas"), dar-lhes consistência, ainda que fugaz, de palavra.

TARDE


Autor: Paulo Henriques Britto
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 33 (96 págs.)
Avaliação: ótimo



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