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MÔNICA BERGAMO
Ana Ottoni/Folha Imagem
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Livro vai contar parte da história dos Jardins, uma das regiões mais glamourosas
de São Paulo; moradores revelam o que há de melhor e de pior no bairro
Jardim das delícias
Nas alamedas e ruas que compõem a maior parte da face sul
da avenida Paulista ficam alguns dos hotéis mais incensados do Brasil. Restaurantes de
alta gastronomia estão por toda
parte na região. As grifes mais
chiques do mundo se espalham
ao longo da rua mais famosa do
bairro, a Oscar Freire. Celebridades de todos os quilates fizeram do lugar o seu habitat.
Este lugar são vários: os Jardins. No início do século passado, surgiu o Jardim América,
criado a partir do conceito de
"bairro-jardim", modelo de sucesso na Europa. O mote era
cultivar jardins, em vez de muros, entre as casas. Uma década
depois, nasceu o Jardim Europa,
depois o Paulistano e o Paulista.
O conjunto, dominado pela rua
Augusta, atraiu quatrocentões e
imigrantes, a Jovem Guarda no
passado e os DJs de música eletrônica de agora. Hoje, os Jardins abrigam 84 mil pessoas
-58% mulheres-, distribuídos em 6,1 km2.
As histórias e também as lendas dos Jardins foram resgatadas em livro. O jornalista Nirlando Beirão resolveu contá-las
em "Rodeio Conta os Jardins"
(ed. Designa-BDA), que sai no
mês que vem.
A partir da trajetória de 47
anos do restaurante Rodeio, um
dos "points" de políticos e famosos em SP, ele fará uma crônica do bairro e seus personagens. "Muitas das reuniões da
Democracia Corintiana aconteceram no Rodeio. O Plano Cruzado, do governo Sarney, também foi discutido lá, antes de
sair no papel", afirma Sílvia Macedo, diretora e herdeira do restaurante da Haddock Lobo, ainda sob a batuta do pai, Roberto
Macedo.
Nirlando Beirão não deixará
passar em branco, claro, o apogeu da Augusta, quando a rua
foi invadida pelos cabeludos da
Jovem Guarda. "Adorava circular pelo bairro de motocicleta
ou com minha BMW conversível. Tinha uma Ducati 350 que
fazia o maior sucesso quando eu
cruzava a rua Augusta", conta
Wanderléa à coluna. "Eu era a
superstar do momento."
A musa da Jovem Guarda
comprou há 40 anos um apartamento na esquina da alameda
Franca com rua Haddock Lobo.
Vive nele até hoje. Da sacada do
prédio, ela avista o relógio digital de um banco no topo do
Conjunto Nacional, na avenida
Paulista. "Nunca fico sem saber
a hora, nem a temperatura. O
problema é que agora vejo apenas parte do relógio, por causa
do crescimento do bairro."
Nos anos 60, uma das lojas
chiques da Augusta era a Rastro, a perfumaria de Aparício
Basílio. A irmã de Aparício, a
empresária Maria Helena Guimarães recorda que um dos
charmes do bairro era poder
cruzar com Vinícius de Moraes
e Di Cavalcanti na loja. "Naquela época, a maioria dos meus
amigos não tinha carro. A gente
subia e descia a Augusta de ônibus elétrico mesmo."
A loja de Aparício não existe
mais, mas Maria Helena criou
um dos locais mais bem freqüentados do bairro: o restaurante Ritz, aberto nos anos 80.
"Os Jardins é uma região onde
há liberdade e um excelente lugar para pessoas sozinhas viverem: é perto de tudo", diz.
A vida noturna dos Jardins,
não por acaso, é marcada pela
diversidade de propostas e territórios. O Gallery - mais conservador-e o Rose Bom
Bom- alternativo-dividiram
atenções nos anos 80, assim como o Ultralounge -voltada ao
público gay- mantém-se aberta do lado de um restaurante italiano dos mais tradicionais de
SP, a L'Osteria do Piero.
"Os Jardins sempre foram
vanguarda em matéria de comportamento e no lançamento de
tendências musicais e de moda", diz Angelo Leuzzi. O empresário foi dono de casas como
o Rose Bom Bom, o Columbia e,
recentemente, tentou reeditar o
Rose na Galeria Ouro Fino
-inaugurada em 1962 e hoje
focada no comércio de moda alternativa. Não deu certo. "A
noite de São Paulo vai andando
e agora outros bairros cumprem essa tarefa."
Leuzzi acredita que os Jardins
estão mais "residenciais" que há
20 anos, motivo pelo qual o consultor de marketing estratégico
e um dos coordenadores do
movimento "Ame Jardins", Fábio Saboya, só tem o que comemorar. Neto de ex-prefeito, Saboya, morador da rua Honduras, é daqueles que viveram intensamente a região e lutam,
agora, para tornar o distrito
mais seguro.
Uma das metas do "Ame Jardins", criado há três meses, é
"integrar recursos públicos e
privados para, de forma organizada e inteligente, evitar roubos
e assaltos no bairro"- embora
os índices gerais de roubo da região tenham caído 10% em relação ao primeiro semestre de
2004. Saboya quer resgatar o
tempo em que "andava de ônibus elétrico, comprava roupas
na Tobbs e na Ycks, e assistia filmes no Cine Augusta".
A consultora de moda Glória
Kalil adorava bater perna na
Augusta, para buscar informações sobre a última moda. Há 20
anos, mudou-se para os Jardins.
Hoje, ela não esconde a sua decepção com o que se tornou a
rua mais famosa do país na década de 60. "A Augusta está
muito feia, com aqueles postes e
as lojas velhas", reclama.
Moradora da rua Melo Alves,
Glória destoa do coro dos contentes e nostálgicos. Ela se diz
"indignada" com as calçadas da
região e quer mudanças já. "O
bairro não respeita seus pedestres. É lixo, ladeira, buraco, cocô
de cachorro. Nem parece que
moro numa área de impostos
tão altos. É um vexame o estado
em que estão deixando essas
ruas tão glamourosas."
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