São Paulo, domingo, 07 de agosto de 2005

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MÔNICA BERGAMO

Ana Ottoni/Folha Imagem


Livro vai contar parte da história dos Jardins, uma das regiões mais glamourosas de São Paulo; moradores revelam o que há de melhor e de pior no bairro

Jardim das delícias

Nas alamedas e ruas que compõem a maior parte da face sul da avenida Paulista ficam alguns dos hotéis mais incensados do Brasil. Restaurantes de alta gastronomia estão por toda parte na região. As grifes mais chiques do mundo se espalham ao longo da rua mais famosa do bairro, a Oscar Freire. Celebridades de todos os quilates fizeram do lugar o seu habitat.

Este lugar são vários: os Jardins. No início do século passado, surgiu o Jardim América, criado a partir do conceito de "bairro-jardim", modelo de sucesso na Europa. O mote era cultivar jardins, em vez de muros, entre as casas. Uma década depois, nasceu o Jardim Europa, depois o Paulistano e o Paulista. O conjunto, dominado pela rua Augusta, atraiu quatrocentões e imigrantes, a Jovem Guarda no passado e os DJs de música eletrônica de agora. Hoje, os Jardins abrigam 84 mil pessoas -58% mulheres-, distribuídos em 6,1 km2.

As histórias e também as lendas dos Jardins foram resgatadas em livro. O jornalista Nirlando Beirão resolveu contá-las em "Rodeio Conta os Jardins" (ed. Designa-BDA), que sai no mês que vem.

A partir da trajetória de 47 anos do restaurante Rodeio, um dos "points" de políticos e famosos em SP, ele fará uma crônica do bairro e seus personagens. "Muitas das reuniões da Democracia Corintiana aconteceram no Rodeio. O Plano Cruzado, do governo Sarney, também foi discutido lá, antes de sair no papel", afirma Sílvia Macedo, diretora e herdeira do restaurante da Haddock Lobo, ainda sob a batuta do pai, Roberto Macedo.

Nirlando Beirão não deixará passar em branco, claro, o apogeu da Augusta, quando a rua foi invadida pelos cabeludos da Jovem Guarda. "Adorava circular pelo bairro de motocicleta ou com minha BMW conversível. Tinha uma Ducati 350 que fazia o maior sucesso quando eu cruzava a rua Augusta", conta Wanderléa à coluna. "Eu era a superstar do momento."

A musa da Jovem Guarda comprou há 40 anos um apartamento na esquina da alameda Franca com rua Haddock Lobo. Vive nele até hoje. Da sacada do prédio, ela avista o relógio digital de um banco no topo do Conjunto Nacional, na avenida Paulista. "Nunca fico sem saber a hora, nem a temperatura. O problema é que agora vejo apenas parte do relógio, por causa do crescimento do bairro."

Nos anos 60, uma das lojas chiques da Augusta era a Rastro, a perfumaria de Aparício Basílio. A irmã de Aparício, a empresária Maria Helena Guimarães recorda que um dos charmes do bairro era poder cruzar com Vinícius de Moraes e Di Cavalcanti na loja. "Naquela época, a maioria dos meus amigos não tinha carro. A gente subia e descia a Augusta de ônibus elétrico mesmo."

A loja de Aparício não existe mais, mas Maria Helena criou um dos locais mais bem freqüentados do bairro: o restaurante Ritz, aberto nos anos 80. "Os Jardins é uma região onde há liberdade e um excelente lugar para pessoas sozinhas viverem: é perto de tudo", diz.

A vida noturna dos Jardins, não por acaso, é marcada pela diversidade de propostas e territórios. O Gallery - mais conservador-e o Rose Bom Bom- alternativo-dividiram atenções nos anos 80, assim como o Ultralounge -voltada ao público gay- mantém-se aberta do lado de um restaurante italiano dos mais tradicionais de SP, a L'Osteria do Piero.

"Os Jardins sempre foram vanguarda em matéria de comportamento e no lançamento de tendências musicais e de moda", diz Angelo Leuzzi. O empresário foi dono de casas como o Rose Bom Bom, o Columbia e, recentemente, tentou reeditar o Rose na Galeria Ouro Fino -inaugurada em 1962 e hoje focada no comércio de moda alternativa. Não deu certo. "A noite de São Paulo vai andando e agora outros bairros cumprem essa tarefa."

Leuzzi acredita que os Jardins estão mais "residenciais" que há 20 anos, motivo pelo qual o consultor de marketing estratégico e um dos coordenadores do movimento "Ame Jardins", Fábio Saboya, só tem o que comemorar. Neto de ex-prefeito, Saboya, morador da rua Honduras, é daqueles que viveram intensamente a região e lutam, agora, para tornar o distrito mais seguro.

Uma das metas do "Ame Jardins", criado há três meses, é "integrar recursos públicos e privados para, de forma organizada e inteligente, evitar roubos e assaltos no bairro"- embora os índices gerais de roubo da região tenham caído 10% em relação ao primeiro semestre de 2004. Saboya quer resgatar o tempo em que "andava de ônibus elétrico, comprava roupas na Tobbs e na Ycks, e assistia filmes no Cine Augusta".

A consultora de moda Glória Kalil adorava bater perna na Augusta, para buscar informações sobre a última moda. Há 20 anos, mudou-se para os Jardins. Hoje, ela não esconde a sua decepção com o que se tornou a rua mais famosa do país na década de 60. "A Augusta está muito feia, com aqueles postes e as lojas velhas", reclama.

Moradora da rua Melo Alves, Glória destoa do coro dos contentes e nostálgicos. Ela se diz "indignada" com as calçadas da região e quer mudanças já. "O bairro não respeita seus pedestres. É lixo, ladeira, buraco, cocô de cachorro. Nem parece que moro numa área de impostos tão altos. É um vexame o estado em que estão deixando essas ruas tão glamourosas."


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