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FESTIVAL DE VENEZA
11 de setembro causa polêmica na 59ª edição do evento
Sentimento antiamericano domina mostra italiana
ALCINO LEITE NETO
ENVIADO ESPECIAL A VENEZA
O festival de cinema de Veneza,
que seguia morno e sem surpresas, ganhou ontem um inesperado fôlego polêmico e político,
com a estréia mundial de
"11'09"00 - 11 de Setembro", um
filme coletivo de 11 diretores sobre a data trágica americana.
Um clima de antiamericanismo
se espalhou por Veneza, ampliado por declarações do diretor da
59ª Mostra Internacional de Cinema, o suíço Moritz de Hadeln.
"Foram os americanos que inventaram os talebans. Muitos dizem
até que Bin Laden foi instruído
pela CIA", disse ele.
A situação é delicada porque o
primeiro-ministro italiano Silvio
Berlusconi (centro-direita) é um
aliado incondicional dos EUA e
de Bush.
A mostra é mantida pelo Estado. De Hadeln é o primeiro estrangeiro na direção, pelo que foi
duramente atacado por nacionalistas. Ele foi a última alternativa
encontrada pelo governo, depois
que toda a direção anterior se demitiu em protesto contra a política cultural de Berlusconi.
A surpresa da imprensa italiana
é tanto maior porque De Hadeln,
que dirigiu o Festival de Berlim
por 22 anos, é um simpatizante
das companhias hollywoodianas.
Fora isso, o festival de Veneza tem
sido nos últimos anos uma das
principais vitrines do cinema
americano na Europa.
"11'09"00" foi produzido pelo
francês Alain Brigand. Ele convidou 11 diretores de várias partes
do mundo para realizarem histórias sobre o 11 de setembro que
duram precisamente 11 minutos e
9 segundos. "Antiamericano? O
dia em que não se puder fazer
qualquer crítica à América estará
terminada a liberdade de expressão", disse o produtor. "Não quis
fazer um filme para celebrar o 11/
9, mas para refletir sobre ele. Agora o debate está aberto."
Participaram do filme Samira
Makhmalbaf (Irã), Claude Lelouch (França), Youssef Chahine
(Egito), Danis Tanovic (Bósnia),
Idrissa Ouedraogo (Burkina Faso), Ken Loach (Reino Unido),
Alejandro Iñarritu (México),
Amos Gitai (Israel), Mira Nair
(Índia), Sean Penn (EUA) e Shohei Imamura (Japão).
Ken Loach denuncia a participação dos EUA no golpe contra
Salvador Allende, que culminou
em 11/9/1973. Os aplausos ao seu
episódio foram tantos que a exibição teve que ser interrompida.
Nos jornais, as discussões sobre
"11'09"00" coincidem com a notícia de uma grande manifestação
que está sendo planejada pela esquerda em 14 de setembro. O cineasta Nanni Moretti é uma das
figuras mais aguardadas no protesto, após virar figura-símbolo
do antiberlusconismo e da retomada da esquerda na Itália.
Os debates do 11 de setembro
apagaram o pequeno escândalo
provocado por "Ken Park", de
Larry Clark e Ed Lachman. O filme não tem pudores nas cenas de
erotismo e chega a exibir a masturbação de um jovem do início
ao auge, sem meias imagens.
"Ken Park" é ainda um retrato da
juventude americana, como em
"Kids" e "Bully". Igualmente desesperado, acaba porém em clima
de utopia sexual.
A Mostra de Veneza termina
amanhã. Até sexta-feira, os mais
cotados para receber o Leão de
Ouro eram "Irmãs Magdalene",
do britânico Peter Mullan, "Longe
do Paraíso", do americano Todd
Haynes, e "O Homem do Trem",
do francês Patrice Leconte.
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