São Paulo, quinta-feira, 07 de outubro de 2010 |
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OPINIÃO "Só consigo pensar em "serviço" como aquilo que nos faz sentir "em casa'"
CARLOS ALBERTO DÓRIA ESPECIAL PARA A FOLHA Só consigo pensar em "serviço" como aquilo que nos faz sentir como se estivéssemos "em casa", apesar do ambiente público do restaurante. Na história, vários modelos se sucederam: à francesa, à russa, à inglesa. Entre nós, acrescentamos o escravista, onde as idiossincrasias do senhor moldavam o serviço do escravo, conforme relatam os viajantes do século 19, surpresos com as diferenças em relação aos padrões europeus. Nesse modelo estava contido o modo do cliente se dirigir ao garçom ainda hoje. Em geral precedido pelo "por favor"; mas, não raro, o verbo no imperativo -"traga água!"- nos remete aos velhos engenhos de açúcar. Essa relação de duas mãos, na hospitalidade, tem mudado, a ponto de indicar uma crise profunda daquilo em que se apoia. Clientes e donos de restaurantes mudam de hábitos, mas nem sempre as coisas confluem. Quando levo meu vinho, cobram ou não a "rolha", mas sobre esse serviço, que nunca tem preço visível no cardápio, não raro cobram 10% de "serviço". Quer dizer, "serviço sobre serviço"? Colocam o couvert à mesa, sem que eu peça; servem água em profusão. Você precisa estar vigilante, o oposto do relaxamento idealizado. Quando chega o cardápio, os pratos são descritos em minúcias técnicas que você mal conhece: cocção a baixa temperatura, biológico, telha, espuma etc. Como os proprietários sabem disso, treinam os garçons para a monótona recitação ritual, desprovida de conteúdo. Experimente perguntar: "em qual temperatura exatamente foi feito"? O discurso desmoronará. Mas as crises podem ser criativas. Há muita coisa nova no ar. O modelo do "quilo" está impregnado de lições e ninguém se debruçou sobre ele para compreendê-lo. Há também a informalidade do Mocotó, que me faz sentir melhor que nos restaurantes da rua Amauri. Questão de estilo pessoal. Mas é pela falta de opções de estilo que a hospitalidade paulistana ficou pesada, enfadonha, e nos faz pensar duas vezes antes de sair de casa. Claro, isso ocorre no momento em que a procura por alimentação fora de casa se aqueceu tanto que permite, aos restaurantes, desdenhar da importância estratégica da hospitalidade. CARLOS ALBERTO DÓRIA é sociólogo, professor no IFCH-Unicamp, autor de vários livros sobre cultura e gastronomia Texto Anterior: Comida: Bastidores Próximo Texto: Nina Horta: A dieta do Collor Índice | Comunicar Erros |
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