São Paulo, sexta, 7 de novembro de 1997.




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SHOW CRÍTICA
Melodia despreza hits

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local

O ex-maldito Luiz Melodia selou em dois shows paulistanos segunda-feira e anteontem o momento de aliança que vive com o mercado: apresentou seu novo CD, "14 Quilates", lançado pela tradicional gravadora EMI, na tradicional casa de espetáculos Palace.
Bobagem pensar que por isso sua rebeldia tenha se dissipado. Foi um espetáculo de estranhamento -nenhuma das convenções de showman tradicional se colou à sua real disposição. Assim, optou por deixar pouca brecha à habitual seção "maiores sucessos".
Além de "Ébano", clássico que regrava no novo CD, só retomou "Veleiro Azul" (76), "Presente Cotidiano" (gravada em 73 por Gal e em 78 por ele), "Ilha de Cuba" (80), "Saco Cheio" (87, quase vinheta incorporada a "Morena Brasileira"), "Poeta do Morro" (91) e "Jeito Danado" (95).
Notável nesse pequeno apanhado diluído em profusão de novas canções é a ausência total do repertório de "Pérola Negra" (73), até hoje sua própria maldição, pela via do mito de que fosse seu único trabalho digno de nota.
Pois Melodia não se fez de rogado. Esnobou um público grosseiro que só fazia conversar no meio das canções e, entre elas, clamar por "Pérola Negra" ou "Magrelinha". Fingiu não ouvir.
Assim, o conhecido efeito sublime de seus agudos se deslocou a novas -e belas- interpretações. "Cruel" (de Sérgio Sampaio), a regravação de "Quase Fui Lhe Procurar" (de Getúlio Cortes, lançada por Roberto Carlos em 68) e o rockão "Sub-Anormal" confirmaram-se novas pedras de toque.
Eventualmente, o excesso de baladas incomodou -em especial se se tratasse de bobeiras como louvar "A Morena da Novela".
Também os arranjos jazzísticos saturados nos sopros desestabilizaram (como no CD) as virtudes do artista -se é porque são ruins mesmo ou porque ousam se fazer pré-tropicalistas (logo, imediatamente rotuláveis de ultrapassados), é caso de pensar duas vezes.
Sim, o velho pós-tropicalista hoje prefere se fartar dos saberes pré-tropicalistas, orquestrando jazz, blues e soul numa só matriz: a do samba, que dançou furiosamente show afora, com clímax na bem Black Rio "Morar no Rio", dissolvida em poderoso batucão.
Para sacramentar o samba, ao final chamou da platéia seu duplo paulista Itamar Assumpção. Cantaram "Negro Gato" (também de Getúlio Cortes, também lançada por Roberto Carlos, em 66, e também gravada por ele, em 80).
O samba no pé foi o teste: Melodia deu de mestre-salas, ciceroneando o samba "paulistês" desengonçado de Itamar. Tudo no lugar: Melodia deve continuar zelando pelos marginais cariocas, Itamar olhará pelos paulistas.



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