São Paulo, sexta-feira, 07 de dezembro de 2007

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ALCINO LEITE NETO - ultima.moda@folha.com.br

Chanel, a reacionária

Estilista tinha posições políticas conservadoras, diz autora de álbum biográfico que sai agora no Brasil

Gabrielle "Coco" Chanel, a estilista que revolucionou a moda no século 20 e defendeu a liberdade feminina com suas roupas, tinha, no entanto, posições políticas muito reacionárias, afirma a escritora francesa Edmonde Charles-Roux. Ela é autora de "A Era Chanel", que acaba de sair no Brasil (Cosac Naify, 383 págs., R$ 120).
Trata-se de um belo álbum biográfico, em que a narrativa sobre a vida de Chanel (1893-1971) serve sobretudo de complemento às cerca de 400 imagens -algumas muito raras.
Charles-Roux, 87, também dedicou à estilista uma biografia de formato tradicional, "L'Irregulière" (A Irregular). "Irregular", conta a escritora, era o eufemismo de Proust para se referir às cocotes e às prostitutas. Chanel foi, na juventude, uma cocote. Filha de uma família muito pobre, construiu uma das mais sofisticadas maisons de alta-costura.
Nos anos 30 teve um caso com o ultraconservador Paul Iribe, ilustrador e diretor de arte. Quando os alemães ocuparam Paris, em 1940, fechou o seu ateliê, mas não escondeu o namoro com um nazista, Gunther von Dincklage. Ao final da guerra, ela foi praticamente banida da França, acusada de colaboracionismo. Exilou-se na Suíça, e reconstituiu com muito custo o seu prestígio.
A emocionante história da estilista inspirou três filmes que estão sendo realizados na França, entre eles "Coco Antes de Chanel", dirigido por Anne Fontaine, com Audrey Tatou (de "Amélie Poulain") no papel-título. Todos devem ser lançados em 2008 -um ano em que Chanel promete reinar de novo no imaginário da moda.

 

FOLHA - Por que a sra., sendo uma escritora, decidiu fazer uma biografia de Coco Chanel?
EDMONDE CHARLES-ROUX -
Porque é um extraordinário caso social, a história de uma pessoa que vai da mais baixa escala da sociedade e se torna imperatriz mundial da moda. Um escritor que não é tentado por essa história não é um escritor.

FOLHA - A sra. conheceu Chanel pessoalmente. Como a descreveria?
CHARLES-ROUX -
Tínhamos uma relação muito franca, embora não fôssemos amigas. Chanel era mais velha do que eu, com um sucesso enorme, que ela não utilizava para pisar em ninguém. Mas era uma mulher muito reacionária, com pontos de vista que não me convinham -o que nunca impediu, porém, que conversássemos, e ela aceitasse as minhas posições.

FOLHA - Ela era politicamente reacionária?
CHARLES-ROUX -
Sim, completamente reacionária, não há outra palavra. Quando houve a Frente Popular [reunião de partidos de esquerda que governou a França de 1936 a 1937 e adotou várias reformas sociais], Chanel foi terrível, esteve realmente fora de si. Não se pode dizer que não gostasse de seus trabalhadores. Sim, gostava deles, embora fosse um pouco ditatorial. E poderia muito bem escutar uma conversa sem tomar partido, pois não era abertamente agressiva. Às vezes utilizava palavras populares, quase grosseiras, mas era muito distinta e elegante, sem o menor sinal de vulgaridade.

FOLHA - A que a sra. atribui o reacionarismo de Chanel?
CHARLES-ROUX -
Creio que foi influência de seus amantes, que eram reacionários, particularmente Paul Iribe. Creio, também, que ela queria esquecer que vinha do povo. Em vez de assumir, de dizer que ela se tornou uma rainha da moda apesar de seus pais serem paupérrimos, o que seria muito simpático, ela buscou se afastar do povo. Ela poderia saltar em seu pescoço, caso você mencionasse alguma coisa desse passado.

FOLHA - Como ela pode fazer uma revolução na moda, apesar de seu reacionarismo político?
CHARLES-ROUX -
Ela tinha um sentido excepcional da feminilidade. Queria que as mulheres fossem modernas e livres, que pudessem correr na rua sem serem apertadas por seus corsets [espartilhos], que pudessem tomar um bonde sem cair, derrubadas por seus sapatos. Ser muito moderna era o seu segredo, a sua natureza oculta, uma coisa que ninguém lhe ensinou.

"Creio que ela se tornou reacionária por influência de seus amantes, em particular Paul Iribe. Creio, também, que ela queria esquecer que vinha do povo"


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