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Última Moda
ALCINO LEITE NETO - ultima.moda@folha.com.br
Chanel, a reacionária
Estilista tinha posições políticas conservadoras, diz autora de álbum biográfico que sai agora no Brasil
Gabrielle "Coco" Chanel, a
estilista que revolucionou a
moda no século 20 e defendeu a
liberdade feminina com suas
roupas, tinha, no entanto, posições políticas muito reacionárias, afirma a escritora francesa
Edmonde Charles-Roux. Ela é
autora de "A Era Chanel", que
acaba de sair no Brasil (Cosac
Naify, 383 págs., R$ 120).
Trata-se de um belo álbum
biográfico, em que a narrativa
sobre a vida de Chanel (1893-1971) serve sobretudo de complemento às cerca de 400 imagens -algumas muito raras.
Charles-Roux, 87, também dedicou à estilista uma biografia
de formato tradicional, "L'Irregulière" (A Irregular). "Irregular", conta a escritora, era o eufemismo de Proust para se referir às cocotes e às prostitutas.
Chanel foi, na juventude,
uma cocote. Filha de uma família muito pobre, construiu uma
das mais sofisticadas maisons
de alta-costura.
Nos anos 30 teve um caso
com o ultraconservador Paul
Iribe, ilustrador e diretor de arte. Quando os alemães ocuparam Paris, em 1940, fechou o
seu ateliê, mas não escondeu o
namoro com um nazista, Gunther von Dincklage. Ao final da
guerra, ela foi praticamente banida da França, acusada de colaboracionismo. Exilou-se na
Suíça, e reconstituiu com muito custo o seu prestígio.
A emocionante história da
estilista inspirou três filmes
que estão sendo realizados na
França, entre eles "Coco Antes
de Chanel", dirigido por Anne
Fontaine, com Audrey Tatou
(de "Amélie Poulain") no papel-título. Todos devem ser
lançados em 2008 -um ano em
que Chanel promete reinar de
novo no imaginário da moda.
FOLHA - Por que a sra., sendo uma
escritora, decidiu fazer uma biografia de Coco Chanel?
EDMONDE CHARLES-ROUX - Porque
é um extraordinário caso social, a história de uma pessoa
que vai da mais baixa escala da
sociedade e se torna imperatriz
mundial da moda. Um escritor
que não é tentado por essa história não é um escritor.
FOLHA - A sra. conheceu Chanel
pessoalmente. Como a descreveria?
CHARLES-ROUX - Tínhamos uma
relação muito franca, embora
não fôssemos amigas. Chanel
era mais velha do que eu, com
um sucesso enorme, que ela
não utilizava para pisar em ninguém. Mas era uma mulher
muito reacionária, com pontos
de vista que não me convinham
-o que nunca impediu, porém,
que conversássemos, e ela aceitasse as minhas posições.
FOLHA - Ela era politicamente reacionária?
CHARLES-ROUX - Sim, completamente reacionária, não há outra palavra. Quando houve a
Frente Popular [reunião de
partidos de esquerda que governou a França de 1936 a 1937
e adotou várias reformas sociais], Chanel foi terrível, esteve realmente fora de si. Não se
pode dizer que não gostasse de
seus trabalhadores. Sim, gostava deles, embora fosse um pouco ditatorial. E poderia muito
bem escutar uma conversa sem
tomar partido, pois não era
abertamente agressiva. Às vezes utilizava palavras populares, quase grosseiras, mas era
muito distinta e elegante, sem o
menor sinal de vulgaridade.
FOLHA - A que a sra. atribui o reacionarismo de Chanel?
CHARLES-ROUX - Creio que foi influência de seus amantes, que
eram reacionários, particularmente Paul Iribe. Creio, também, que ela queria esquecer
que vinha do povo. Em vez de
assumir, de dizer que ela se tornou uma rainha da moda apesar de seus pais serem paupérrimos, o que seria muito simpático, ela buscou se afastar do
povo. Ela poderia saltar em seu
pescoço, caso você mencionasse alguma coisa desse passado.
FOLHA - Como ela pode fazer uma
revolução na moda, apesar de seu
reacionarismo político?
CHARLES-ROUX - Ela tinha um
sentido excepcional da feminilidade. Queria que as mulheres
fossem modernas e livres, que
pudessem correr
na rua sem serem
apertadas por
seus corsets [espartilhos], que
pudessem tomar
um bonde sem cair, derrubadas por seus sapatos. Ser
muito moderna era o seu segredo, a sua natureza oculta, uma
coisa que ninguém lhe ensinou.
"Creio que
ela se tornou
reacionária por
influência de seus
amantes, em
particular Paul
Iribe. Creio,
também, que ela
queria esquecer
que vinha do povo"
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