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"PEÇAS PRECOCES"
Despretensões de Roberto Athayde elucidam seu maior sucesso
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Pergunte a um francês se conhece algum dramaturgo da
terra de Lula e Ronaldinho. O
mais provável é que nenhum nome apareça. Pergunte, no entanto, se ele já ouvir falar de um monólogo no qual uma professora
debocha da platéia como se fosse
seus alunos: ele muito provavelmente vai se lembrar de Madame
Marguerite, grande sucesso da
carreira de Annie Girardot, e ficará muito surpreso em saber que
seu autor é brasileiro.
"Apareceu a Margarida", uma
das peças mais encenadas no Brasil, montada em mais de 20 países,
com 40 produções em alemão e
mais de 20 em francês, é dessas
iluminações que criam vida própria, independentemente de seu
autor e de sua época. Surpreende
mais ainda quando se sabe que
seu autor, Roberto Athayde, tinha
apenas 21 anos quando a escreveu, em 1971, e que esta foi uma
das cinco que escreveu em oito
meses, sem nenhuma ambição.
Editada agora em meio a outras
"Peças Precoces", ela mantém todo o seu frescor, e é particularmente oportuna em um momento em que a dramaturgia do Brasil
renasce já livre da questão nacional versus estrangeiro. É como se
estivéssemos voltando a um tempo mais feliz de experimentação.
Apesar de faltar no volume
maiores informações sobre o autor e as circunstâncias em que escreveu estas peças, o fato de ver
"Margarida" entre suas "irmãs" é
muito elucidativo. Apesar das outras não serem tão boas, mantêm
sempre um saudável autodeboche, como esquetes de revista.
Como no teatro de revista, de fato, os personagens são pouco
mais que caricaturas vivas: em "O
Reacionário", texto ainda não encenado, Alfredo Pratraz, reacionário, discute política com Leão
Trote, subversivo, tentando influenciar a empregada Odênis.
Escapando ao maniqueísmo com
bom humor, mais próxima do
"Rei da Vela" de Oswald de Andrade do que as fábulas que o
Centro Popular de Cultura propunha na época, o texto se mantém encenável, tanto quanto "Um
Visitante do Alto", na qual um
marciano e sua mãe contrariam
as expectativas de um cientista
por virem de uma civilização capitalista e temente a Deus.
Isto quer dizer que quem reencenar estes textos se candidata ao
sucesso mundial, repetindo
"Margarida"? Nada menos garantido: afinal, o segredo do sucesso
talvez seja justamente a despretensão financeira da empreitada.
O mais importante é se divertir; o
que virá disso não se pode prever.
Pois, como diz Margarida, tem alguém aí chamado Messias?
Peças Precoces - Apareceu a
Margarida e Outras
Autor: Roberto Athayde
Editora: Nova Fronteira
Quanto: R$ 39 (224 págs.)
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