São Paulo, quinta-feira, 08 de janeiro de 2004

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"PEÇAS PRECOCES"

Despretensões de Roberto Athayde elucidam seu maior sucesso

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Pergunte a um francês se conhece algum dramaturgo da terra de Lula e Ronaldinho. O mais provável é que nenhum nome apareça. Pergunte, no entanto, se ele já ouvir falar de um monólogo no qual uma professora debocha da platéia como se fosse seus alunos: ele muito provavelmente vai se lembrar de Madame Marguerite, grande sucesso da carreira de Annie Girardot, e ficará muito surpreso em saber que seu autor é brasileiro.
"Apareceu a Margarida", uma das peças mais encenadas no Brasil, montada em mais de 20 países, com 40 produções em alemão e mais de 20 em francês, é dessas iluminações que criam vida própria, independentemente de seu autor e de sua época. Surpreende mais ainda quando se sabe que seu autor, Roberto Athayde, tinha apenas 21 anos quando a escreveu, em 1971, e que esta foi uma das cinco que escreveu em oito meses, sem nenhuma ambição.
Editada agora em meio a outras "Peças Precoces", ela mantém todo o seu frescor, e é particularmente oportuna em um momento em que a dramaturgia do Brasil renasce já livre da questão nacional versus estrangeiro. É como se estivéssemos voltando a um tempo mais feliz de experimentação.
Apesar de faltar no volume maiores informações sobre o autor e as circunstâncias em que escreveu estas peças, o fato de ver "Margarida" entre suas "irmãs" é muito elucidativo. Apesar das outras não serem tão boas, mantêm sempre um saudável autodeboche, como esquetes de revista.
Como no teatro de revista, de fato, os personagens são pouco mais que caricaturas vivas: em "O Reacionário", texto ainda não encenado, Alfredo Pratraz, reacionário, discute política com Leão Trote, subversivo, tentando influenciar a empregada Odênis. Escapando ao maniqueísmo com bom humor, mais próxima do "Rei da Vela" de Oswald de Andrade do que as fábulas que o Centro Popular de Cultura propunha na época, o texto se mantém encenável, tanto quanto "Um Visitante do Alto", na qual um marciano e sua mãe contrariam as expectativas de um cientista por virem de uma civilização capitalista e temente a Deus.
Isto quer dizer que quem reencenar estes textos se candidata ao sucesso mundial, repetindo "Margarida"? Nada menos garantido: afinal, o segredo do sucesso talvez seja justamente a despretensão financeira da empreitada. O mais importante é se divertir; o que virá disso não se pode prever. Pois, como diz Margarida, tem alguém aí chamado Messias?


Peças Precoces - Apareceu a Margarida e Outras
   
Autor: Roberto Athayde
Editora: Nova Fronteira
Quanto: R$ 39 (224 págs.)



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