São Paulo, quinta-feira, 08 de janeiro de 2004

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CRÍTICA

"Um Só Coração" opta pelo parnasianismo

XICO SÁ
CRITICO DA FOLHA

O historiador Evaldo Cabral de Mello disse recentemente à revista "Nossa História", publicada pela Fundação Biblioteca Nacional, que detestava quando a TV, o cinema ou a literatura (via romance) se metiam com os chamados fatos reais ou históricos no Brasil. O resultado é uma "patuscada". O agravante seria a falta de uma boa escolaridade do público, que passa a tomar o teledrama como história de fato.
Não sejamos tão apocalípticos assim. "Um Só Coração", nova minissérie da Globo, na cola publicitária da efeméride dos 450 anos de SP, apenas sequestra um punhado de personagens reais e acontecimentos marcantes da cidade, como a Semana de 22, para construir uma ficção de olhos bem azuis. Trouxe para debaixo da mesma chuva romântica uma Penteado (Iolanda/Ana Paula Arósio) e um pobre estudante anarquista de família decadente (Martim/Erik Marmo).
Iolanda é real; Martim fictício. Amor ao primeiro minuto, à primeira vista -esse recurso que facilita a narrativa, como o uso de sonhos, sempre milagrosos nas mãos dos roteiristas em momentos de fastio de idéias. E como a Globo gasta água nas suas cenas românticas, tudo é gravado debaixo de muita chuva. Cada beijo daria para molhar o semi-árido brasileiro todo. Ora diríeis, tem algo mais parnasiano dentro de um suposto ambiente à beira do modernismo?
Tudo bem, a vida é brega e derramada mesmo, que fazer? Além do conflito da quatrocentona com o estudante do interior, anuncia-se outro par entre nobres e plebeus, com a Maria Luíza (Letícia Sabatella) e o pintor Mattei (Ângelo Antonio). Os dois são inteiramente fictícios. Mas os amores, difíceis ou não, devolvem algum sonho e generosidade ao enfadado telespectador de uma São Paulo nervosa e sem emprego. Ou vocês queriam que os autores gastassem toda a fita com a sabedoria do Mario e as boutades do Oswald?
Não iria sobrar tempo para as crueldades do coronel Totonho, baile de interpretação de Tarcísio Meira. A cena de sexo da estréia, um primor, é promessa de que a minissérie pode melhorar bastante. O personagem, católico ao extremo, travado, perverso, vai render. Assim como o seu filho Bernardo (Daniel de Oliveira), donzelo cuja virgindade está nas mãos de Ana (Maria Fernanda Cândido).


Um Só Coração
  
Quando: seg. a sex, às 22h40, na Globo



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