São Paulo, quinta-feira, 08 de janeiro de 2009

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NINA HORTA

Fritas ou vestidas de dourado


Detestava ver as tanajuras fazendo sucesso entre os gulosos paulistas e resolveu vesti-las

AS PESSOAS sempre se atrasam e esquecem as árvores, os presépios e os enfeites de Natal por mais alguns dias, prolongando um pouco o sentimento de festa. Aposto que tem muito reizinho ainda caminhando em direção a grutas de papelão com ouro, incenso e mirra nos braços, enfeitando igrejas, lojas e casas.
E o Carlos Alberto Dória, sociólogo comilão, me mandou um trabalho feito pelo sogro, Miguel Angel Monné, professor de entomologia, e por Dante Martins Teixeira e Nelson Papavero (Anais do Museu Paulista; v.16, nº 2, julho-dezembro de 2008), que me deixou deslumbrada pelo conteúdo e também por causa das fotos e gravuras. Não vou tentar nem de longe transcrever o trabalho, só contar para vocês, assim, por cima.
Pois que chegando aqui os jesuítas portugueses trouxeram suas mais caras figuras para os presépios, como a Mãe, o Menino, São José e os três Reis Magos, com certeza.
E os brasileiros, claro, ficaram doidos com a ideia e começaram a juntar o que havia para completar a paisagem que, às vezes, ocupava um quarto quase inteiro com lagos e cascatas. A fauna variava bastante.
Imagino. Aliás, já vi e já contribuí com flores, cascas de ovos de nossas aves, pedras roliças, coquinhos, borboletas e vagalumes. Mas os autores são entomólogos e começaram a pesquisar quando leram uma reportagem, em 1962, de um repórter da Folha que achou em Embu (SP), num convento de freiras, uma lapinha que começava a ser montada por todo mundo em outubro e novembro, meses que coincidiam com a revoada nupcial das tanajuras e içás, que eram comidas fritas, com farofa, e de outros jeitos que apetecessem. Pois as tanajuras entraram nos presepes, e por que não? O mais sensacional eram suas inacreditáveis vestimentas. Representavam o povo que chegava para ver o Menino. Eram vestidas com roupinhas, toucados e xales de fino lavor.
Em São Paulo, essa ideia de vestir formigas virou indústria e, no fim do século 19 e começo do 20, as tanajuras passaram a ser vestidas com roupas de moda. Eram vendidas dentro de caixinhas com a inscrição na tampa: "Formigas tanajuras vestidas, Único depósito, São Paulo, Brasil, Casa Jules Martin".
Parece que esse artífice francês detestava ver as tanajuras vendidas pelas ruas, "tanajuras torradas...", fazendo muito sucesso entre os gulosos paulistas, e resolveu vesti-las usando-as até como sátira.
Vejam o relato da roupinha de um formigão masculino. "Redingote de veludo azul-ferrete, um longo manto branco, botinas de cano alto de cetim verde claro e um chapéu de plumas escarlates". Ao lado, a cônjuge-formiga, sua companheira, com um "decotado vestido de cauda bem justa ao corpo, feito de cetim cor-de-rosa com frisos de ouro, cujas mangas, abertas de alto à baixo, permitiam descortinar os negros braços do inseto. Sob essa rica túnica, via-se uma linda saia de cetim branco bordada a capricho com ouro em fio, enquanto a cabeça carregava um laço dourado em vez de chapéu, e os pés, quase cobertos pelos vestidos, estavam agasalhados numas botinas de salto a Luiz 15 com fivela e bico fino do último gosto. Em fim, ambas ostentavam muito luxo e chiquismo". Parece que a moda pegou em São Paulo (com os paulistas já saciados do seu caviar, como dizia Monteiro Lobato), a ponto de uma peça de teatro ter a heroína comentando que era fácil conhecer seus pretendentes pelos presentes que mandavam. "Os do Ceará mandam corrupios, os do Pará, redes, paus de guaraná e macacos-de-cheiro, os de Pernambuco, cajus secos e abacaxis, e os de São Paulo, formigas vestidas e figos em calda."
Quem não adoraria, tanto comer uma sauvada frita, quanto ganhar um cortejo delas vestido de dourado?

ninahorta@uol.com.br


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