São Paulo, domingo, 08 de fevereiro de 2004

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Pirataria de TV paga movimenta sistema próprio em favelas do Rio; Anatel estuda contratar técnicos ilegais

De olho no gato

MARCELO BORTOLOTI
FREE-LANCE PARA A FOLHA

A TV a cabo no Brasil está virando artigo popular. Nas principais favelas do Rio, longe das estatísticas oficiais, diversas operadoras clandestinas oferecem o serviço, que nos morros e comunidades já foi apelidado de "Net Gato".
O sistema pirata tem o apelido "gambinetes" ou "cets" (lê-se "quétis") -mistura de cat, gato em inglês, com Net.
Na maioria dos casos, o sistema é administrado por um morador que tem conhecimento técnico, faz assinatura da Net, Sky, TVA ou Tecsat, e distribui o sinal ilegalmente para a vizinhança. E a própria associação de moradores da comunidade informa sobre como conseguir uma instalação.
Na favela da Rocinha, onde já existe uma operadora de TV a cabo legalizada, a TV Roc, o serviço é encontrado a um custo menor na concorrente pirata, a TV do Siri. O preço: R$ 50 a instalação, mais R$ 15 mensais. O pacote inclui 14 canais, entre eles Discovery, Cartoon e HBO. A operadora, que funciona ao lado da associação dos moradores, disponibiliza ainda um canal de sexo.
O mesmo acontece no morro da Providência, onde a mensalidade sai por R$ 20. Segundo o proprietário da rede, que não quis se identificar, a operadora trabalha com quatro funcionários e possui 300 assinantes. "No morro não existe opção de lazer. Ter um canal de filmes ou de desenhos ajuda o jovem a ficar em casa e a não se envolver no crime", argumenta ele, que quer uma concessão da Anatel. "É uma profissão honesta. Não estou roubando, estou prestando um serviço."
Em função da localização geográfica, em muitos morros é difícil captar sinais de TV pela antena comum. Daí a existência dos chamados "antenistas": moradores que recebem o sinal de emissoras abertas através de parabólicas e o distribuem via cabo para a região.
Esta prática não é crime, só que muitas vezes, no meio dos canais abertos, também são disponibilizados outros de TV paga. Na favela do Chapéu Mangueira (zona sul), o sistema ocupa uma sala na sede da associação de moradores. Segundo um atendente, entre os canais oferecidos estão Cartoon, Discovery e TNT.
"Dizem que pobre não precisa de TV a cabo. Mas a maior prova de que isso não é verdade é a pirataria. Quem mais assiste a televisão é o pobre, que não tem outra opção. O rico vai para o cinema, teatro ou shopping", diz Rosângela Quarelli, diretora de marketing da TV Roc, única operadora que tem concessão da Net para atuar dentro de uma favela, e cobra uma mensalidade de R$ 25.
Na Cidade de Deus, onde existe uma rede da Net Rio que atravessa o bairro, a pirataria se prolifera de maneira diferente. O técnico da chamada "Net Gato" cobra apenas uma taxa para fazer a ligação, e o morador não precisa pagar mensalidades. "Pagamos uma vez para o cara instalar na rua toda, depois não pagamos mais nada. Só quando sai do ar que a gente dá um dinheirinho para a manutenção", diz uma moradora.
Certas empresas já aproveitam esse filão. A Sat 2000 administra uma das maiores redes de TV a cabo em favelas do Rio. Atendem as regiões de São Carlos, Mineira, Querosene, Zinco e Vila Cachoeirinha, todas na zona norte. O pacote oferecido inclui 28 canais e a mensalidade custa R$ 20.
A empresa é revendedora autorizada da Tecsat para comercializar TV por assinatura via antena (DTH). Normalmente, para assinar um pacote da Tecsat é preciso adquirir um aparelho de recepção que custa R$ 320. "Abrimos uma exceção, permitindo que a Sat 2000 explorasse TV a cabo nessas regiões, para atender a um tipo de público que geralmente é excluído", diz Paulo Roberto de Castro, diretor de marketing da Tecsat.
A Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA), que responde em nome das operadoras, diz que tem conhecimento das redes de pirataria nas favelas do Rio. Segundo Antônio Salles Teixeira Neto, coordenador da comissão de antipirataria, existe uma desatenção sobre a gravidade dos possíveis desdobramentos desta prática. "Uma transgressão assim, que é feita em comunidade, pode colocar em risco o próprio papel do Estado enquanto instituição reguladora das atividades de comunicação no país."



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