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A ENTREVISTA
Arquiteto fala da ética e da cidade no futuro
"O corpo é a razão da arquitetura"
LEDUSHA SPINARDI
Colunista da Folha
Leia a seguir os principais trechos da entrevista de Paulo Mendes da Rocha à Folha.
Folha - A arte tem recorrido
ao corpo como uma temática
quase universal. Você vê como
esse conceito possa influir na
arquitetura?
Paulo Mendes da Rocha - O
corpo é a sede da nossa existência desde sempre. Ele mesmo é a
narrativa mais completa sobre a
presença do homem no universo. Um pedacinho de um corpo
pode dizer o quê e quem era a
primeira mulher, a nossa mãe, a
Lucy, encontrada há pouco tempo. O nosso corpo biológico contém tudo o que chamamos de
conhecimento. A influência significativa na arquitetura dessa
consciência histórica é também
um andamento quase indizível
das transformações, das quais
somos breves participantes.
O corpo é um discurso. Esse
mesmo corpo, fora da biosfera,
nas viagens espaciais, já é quase
um trambolho. Para expandir a
vida humana no universo, quem
sabe, teremos de desenhar um
outro corpo. O Lelé vai ter muito
trabalho com seus maravilhosos
laboratórios de ensaios ortopédicos: fabricar anatomias. Mas
falando sério: o corpo (e sua existência ética e política) é a razão
da arquitetura.
Folha - Quando surgiu, nos
anos 60, o computador era usado em arquitetura somente para a representação. Mas a geração mais nova de arquitetos
parece usá-lo no processo criativo. Você acha que esse novo
ferramental ajuda a produzir
uma nova arquitetura? O que
você acha de algumas escolas
terem praticamente banido o
desenho a mão livre e investido na computação gráfica?
Mendes da Rocha - Prever e
prevenir o desastre pode ser o
melhor horizonte para os computadores. Uma estrutura calculada para se manter em pé é uma
forma de prever o desastre, o
desmoronamento. Uma imagem interessante para o recurso
da informática, em geral, é a extinção do segredo.
O modo como qualquer menino invade os sistemas diz que está convocada a ética para o mundo futuro como condição da
nossa existência no planeta. Mas
já as palavras não tinham dono e
você pode usá-las como Shakespeare ou num discurso nazista!
Essas decisões o computador
não sabe assumir.
A mão nunca foi livre, livre é a
imaginação. O que está em
transformação é o nosso psiquismo, e as máquinas são bem-vindas como instrumentos de linguagens capazes de anunciar,
descrever a imaginação, narrar o
que se passa na nossa mente.
Folha - Que impacto a possibilidade de trabalhar e ter
acesso a serviços em casa pode
ter na arquitetura e na cidade?
Mendes da Rocha - Sempre se
trabalhou dentro de casa. O senador diz "nesta casa" e nos navios há uma "casa das máquinas". A casa é o lugar primordial,
onde se fabrica o futuro. Assim a
cidade será a casa do homem. O
planeta é, será a casa matriz.
Uma geografia inédita no universo, a cidade como natureza
transformada de modo humano.
Algo que não havia antes.
Folha - Como fica a dimensão
social da arquitetura diante de
uma sociedade cada vez mais
fragmentada culturalmente?
Mendes da Rocha - Será que a
sociedade pode ser um somatório de fragmentos? A idéia de
"sociedade" anda na direção da
complexidade e expansão dos
horizontes do conhecimento. A
consideração de uma infinita
complexidade não significa fragmentação. Mesmo uma fragmentação evidente como a escravatura, a política colonial, as
guerras, recompõe-se no tempo,
com a reconsideração crítica e a
construção de um futuro outro,
contra a miséria do espírito e do
corpo. O futuro não está na fragmentação, mas na complexidade
assumida.
Folha - Assim como Calvino
escreveu "Seis Propostas para
o Próximo Milênio", que tendências você acha que vão sobreviver na arquitetura?
Mendes da Rocha - Como Calvino, só ele, que é uma beleza.
Mas, naquele tom, podia ser: 1)
construção da paz; 2) revisão crítica do colonialismo; 3) confundir arte e ciência, técnica e discurso; 4) recompor a visão erótica da vida; 5) considerar que somos uma variante da natureza e
construir a cidade para todos; 6)
pensar em assumir a responsabilidade pela expansão da vida humana no universo.
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