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Livros - Crítica /"Histórias para Ler sem Pressa"
Textos irreverentes destacam a sabedoria da tradição árabe
Coletânea apresenta 30 narrativas curtas produzidas entre os séculos 8 e 18
NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Conta-se que o padre Antônio Vieira escreveu,
numa carta a alguém:
"Desculpe, mas não tive tempo
de escrever-lhe uma carta mais
curta". Algo semelhante acontece na leitura destas "Histórias para Ler sem Pressa", traduzidas da antiga sabedoria
árabe por Mamede Mustafá Jarouche.
São 30 histórias, todas muito
curtas, para ler com toda a lentidão possível. A sabedoria,
mais do que a inteligência, é
também uma virtude, próxima
de outras como a prudência, a
tolerância e a generosidade. E,
como elas, desenvolve-se a partir de experiência, intuição, algum senso de espiritualidade e
uma visão muito mais generalista do que particular. Tudo isso exige tempo.
De quem pronuncia a sabedoria e de quem a escuta, porque a sabedoria tem a ver com
ação, juízo; é a "moral do equilibrista", como diz André Jolles
no livro "Formas Simples". E a
economia destas histórias é
justamente a economia modelar dos sábios, que, com algumas palavras exemplares solucionam revezes e abrem portas
labirínticas.
Irreverência
São 30 histórias extraídas de
fontes que vão do século 8 ao
século 18, de textos com nomes
como "O Livro das Grandes Categorias", "O Livro dos Inteligentes", "O Cúmulo da Sagacidade nas Artes do Decoro" e "O
Livro dos Idiotas e dos Néscios".
Nelas comparecem os famosos avarentos, os ridículos ostentadores, o bobo necessário,
o esperto que se dá mal no final.
Todos eles desmoralizados por
seus opostos, os justiceiros, os
generosos, os incorruptíveis, os
justos. Tudo com uma simplicidade e polaridade alentadoras
para tempos de tantos relativismos, sem, entretanto, cair na
austeridade dos juízos morais.
Ao contrário.
Quase todas as histórias do livro são irreverentes, algumas
até lembrando personagens
brasileiros como o conhecido
malandro. E é também surpreendente perceber como os
valores da cultura árabe se diferenciam alegremente da moral
cristã: nestas histórias, valores
como culpa, pecado, punição e
vergonha surgem com pesos
completamente diferentes daqueles que estamos acostumados a ler nas parábolas do cristianismo.
Verdade na forma
A verdade, às vezes, parece
localizar-se muito mais na linguagem e na forma de dizer as
coisas do que em alguma essência última. Assim, quem sabe
falar melhor muitas vezes se dá
melhor, como na história do
"Juiz Austero e do Juiz Ligeiro"
ou em "Asnos por Testemunhas". É uma moral muito mais
pragmática, afinal de contas.
Trata-se de como e por que
agir de determinadas formas,
em determinadas circunstâncias da vida cotidiana. E isso parece excluir o "ofereça a outra
face" em favor de atitudes de
mais desconfiança e cautela.
Por exemplo, diante de intrigueiros, são necessárias algumas atitudes como "não acreditar". Advertir o intrigante e torná-lo detestável perante Deus.
Afinal, sabedoria é juízo, é siso, mas se dizem que onde tem
muito riso, falta o siso, não é o
caso deste livro, que, além de
fazer pensar, também nos faz
rir.
HISTÓRIAS PARA LER SEM PRESSA
Organização e tradução: Mamede
Mustafa Jarouche
Editora: Globo
Quanto: R$ 25 (80 págs.)
Avaliação: ótimo
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