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ARTIGO
Dupla faz arquitetura inventiva
GUILHERME WISNIK
ESPECIAL PARA A FOLHA
Nos seus retratos mais conhecidos, Kazuyo Sejima e
Ryue Nishizawa nos encaram
com um olhar lívido e ausente:
ela com o cabelo preso, ambos
vestindo blusas pretas. Espontâneas ou construídas, suas
personas públicas demonstram
uma frieza pálida, que espelha
os traços de sua arquitetura.
Com 54 e 44 anos, respectivamente, a dupla de arquitetos
japoneses do Sanaa acaba de
receber o Prêmio Pritzker, condecoração máxima da profissão. Sejima, além disso, já havia
sido escolhida para dirigir a
próxima edição da Bienal de
Arquitetura de Veneza, que
acontecerá neste ano. Trata-se
de um justo reconhecimento a
criadores inventivos, que retratam de maneira vertical o nosso
tempo. Com um traço de autoria marcante, seus edifícios extraem um sensualismo imprevisto da inexpressividade, fundindo o minimalismo cartesiano à falta de contornos do organicismo natural.
Sejima começou a carreira
trabalhando com Toyo Ito, nos
anos 80. E foi justamente ele
quem primeiro definiu a "arquitetura diagrama" da ex-funcionária como um ponto de
mutação na produção contemporânea. Já distante das arestas fraturadas do desconstrutivismo, a dupla do Sanaa baseia
seus projetos numa delicada
continuidade espacial, fundada
no paradoxo entre a enorme
fragmentação dos espaços interiores e a clara legibilidade geométrica do volume externo.
O exemplo mais claro desse
procedimento é a sua obra-prima: o Museu de Arte Contemporânea do Século 21, em Kanazawa. Trata-se de um amontoado aparentemente aleatório
de blocos que não se tocam, como uma explosão fractal de volumes, contidos no entanto por
um grande cilindro de vidro,
que os encerra em uma forma
pura e permite a entrada no
edifício por qualquer lado, destruindo o conceito de fachada.
Por fora, uma superfície centrífuga e infinita. Por dentro,
um labirinto de percursos entre salas e pátios, no qual os espaços de circulação (os interstícios entre os blocos) se tornam
lugares de estar, ganhando um
protagonismo inédito. Na esteira da tradição cultural do seu
país, a dupla sabe perfeitamente construir o vazio.
Mas não é só isso. A dupla
também prima pela capacidade
de nublar as hierarquias, tanto
entre os ambientes de um edifício, quanto entre os seus elementos construtivos, como estrutura e vedação, que sempre
lastrearam a arquitetura com
uma metáfora antropomórfica.
Vem daí a imagem homogênea do "diagrama", que alude
aos espaços virtuais dos jogos
eletrônicos. Usando colunas
super delgadas, somadas a planos de vidros translúcidos e
chapas metálicas perfuradas,
em variações cromáticas que
vão do branco ao cinza azulado,
criam espaços anódinos que se
revelam, no entanto, de um
grande acolhimento, como se
da crisálida dos androides nascessem homens comuns: nós.
Pois em meio ao bombardeio
sensorial da sociedade da informação, o que queremos é o mistério. E a sabedoria do Sanaa
está em não vedar o acesso a
ele. Na verdade, o mantém como promessa ao velá-lo. Atrás
de um despojamento total.
GUILHERME WISNIK crítico de arquitetura, é
autor de "Lucio Costa" (Cosac Naify) e "Estado
Crítico" (Publifolha)
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