São Paulo, quinta-feira, 08 de abril de 2010

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ARTIGO

Dupla faz arquitetura inventiva

GUILHERME WISNIK
ESPECIAL PARA A FOLHA

Nos seus retratos mais conhecidos, Kazuyo Sejima e Ryue Nishizawa nos encaram com um olhar lívido e ausente: ela com o cabelo preso, ambos vestindo blusas pretas. Espontâneas ou construídas, suas personas públicas demonstram uma frieza pálida, que espelha os traços de sua arquitetura.
Com 54 e 44 anos, respectivamente, a dupla de arquitetos japoneses do Sanaa acaba de receber o Prêmio Pritzker, condecoração máxima da profissão. Sejima, além disso, já havia sido escolhida para dirigir a próxima edição da Bienal de Arquitetura de Veneza, que acontecerá neste ano. Trata-se de um justo reconhecimento a criadores inventivos, que retratam de maneira vertical o nosso tempo. Com um traço de autoria marcante, seus edifícios extraem um sensualismo imprevisto da inexpressividade, fundindo o minimalismo cartesiano à falta de contornos do organicismo natural.
Sejima começou a carreira trabalhando com Toyo Ito, nos anos 80. E foi justamente ele quem primeiro definiu a "arquitetura diagrama" da ex-funcionária como um ponto de mutação na produção contemporânea. Já distante das arestas fraturadas do desconstrutivismo, a dupla do Sanaa baseia seus projetos numa delicada continuidade espacial, fundada no paradoxo entre a enorme fragmentação dos espaços interiores e a clara legibilidade geométrica do volume externo. O exemplo mais claro desse procedimento é a sua obra-prima: o Museu de Arte Contemporânea do Século 21, em Kanazawa. Trata-se de um amontoado aparentemente aleatório de blocos que não se tocam, como uma explosão fractal de volumes, contidos no entanto por um grande cilindro de vidro, que os encerra em uma forma pura e permite a entrada no edifício por qualquer lado, destruindo o conceito de fachada.
Por fora, uma superfície centrífuga e infinita. Por dentro, um labirinto de percursos entre salas e pátios, no qual os espaços de circulação (os interstícios entre os blocos) se tornam lugares de estar, ganhando um protagonismo inédito. Na esteira da tradição cultural do seu país, a dupla sabe perfeitamente construir o vazio.
Mas não é só isso. A dupla também prima pela capacidade de nublar as hierarquias, tanto entre os ambientes de um edifício, quanto entre os seus elementos construtivos, como estrutura e vedação, que sempre lastrearam a arquitetura com uma metáfora antropomórfica.
Vem daí a imagem homogênea do "diagrama", que alude aos espaços virtuais dos jogos eletrônicos. Usando colunas super delgadas, somadas a planos de vidros translúcidos e chapas metálicas perfuradas, em variações cromáticas que vão do branco ao cinza azulado, criam espaços anódinos que se revelam, no entanto, de um grande acolhimento, como se da crisálida dos androides nascessem homens comuns: nós. Pois em meio ao bombardeio sensorial da sociedade da informação, o que queremos é o mistério. E a sabedoria do Sanaa está em não vedar o acesso a ele. Na verdade, o mantém como promessa ao velá-lo. Atrás de um despojamento total.


GUILHERME WISNIK crítico de arquitetura, é autor de "Lucio Costa" (Cosac Naify) e "Estado Crítico" (Publifolha)

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