São Paulo, quinta-feira, 08 de abril de 2010

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NINA HORTA

Gostinho de limão-siciliano


A palestina corta os limões-sicilianos em fatias grossas e vai colocando num frasco, com casca e tudo


ASSISTI A um filme, "Lemon Tree" (2008), do diretor Eran Riklis. É a luta de Salma, uma viúva palestina que mora na fronteira verde entre a Cisjordânia e Israel, dona de uma plantação de limões que vem passando de geração em geração em sua família. Os filhos partiram e ela, sozinha, vive para aquele pomar.
Temos assistido a tantos filmes com esse enredo. A beleza da natureza, a comunhão com ela e algum problema político, burocrático que tenta separar a pessoa da sua realidade cotidiana, do que sente e do que pensa. Vi um filme turco no site www.auteurs.com ainda mais bonito porque querem desviar o ribeirão de uma camponesa para abastecer a cidade. A água de um rio é muito fotogênica, dá e mata a sede, brilha, refresca, mais bonita ainda que os limoeiros muito verdes, carregados de frutas amarelas.
Em "Lemon Tree", a situação se complica quando o ministro de Defesa de Israel muda com a mulher para uma casa nova, moderna, vizinha do pomar de limoeiros. A Segurança do Estado de Israel acha perigoso que ali venham a se esconder terroristas e começa a briga para a desapropriação.
O filme é baseado em uma história verdadeira e não é nem pró-Palestina, nem pró-Israel. Está clara a falta de comunicação, a impossibilidade das coisas serem resolvidas de modo que os dois lados se contentem. É uma metáfora do conflito, mas, segundo o diretor, não é um filme político, mas que trata da solidão de duas mulheres. Também. Salma, a dona das árvores, diz a seu advogado: "Quando não ouço os lobos, sinto a maior solidão, e, quando os ouço, parece que estou uivando com eles".
Logo no começo do filme, Salma prepara uma conserva de limões.
Há muitos modos diferentes de fazê-la. A palestina corta os limões-sicilianos em fatias grossas e vai colocando num frasco, com casca e tudo, mais uma pimenta fresca vermelha cortada em rodelas, alhos inteiros, uma colher pequena de sal. Enche o frasco até a metade de um azeite escuro e, a outra, de água (Palestina e Israel), algumas pimentas-do-reino ou da Jamaica, sacode uma pouco para que tudo se misture e põe na prateleira.
Há muitas maneiras de fazer esse picles. Um corte profundo, em cruz, é feito em cada limão com casca. Salgar e deixar os limões (sicilianos) por cerca de uma hora num recipiente raso e grande com uma certa inclinação para que soltem água. Vão ficar macios e moles e perder o amargor. Colocar em camadas num jarro, salpicando cada uma com páprica. Cobrir com azeite de oliva, nozes, ou qualquer óleo vegetal. Fechar bem. Após três semanas, estarão prontos para serem usados, macios e com uma bela cor, delicada iguaria, perfeita para acompanhar carne de frango ou cordeiro e também peixes gordos, como sardinha ou salmão.
No filme, Salma, a forte e bela palestina, dona do pomar, não deixa de servir sua limonada quando chega alguma visita. A receita é cortar os limões em oito e colocar numa tigela. Jogar uma xícara de açúcar sobre eles e massageá-los. A ideia é que o açúcar se esfregue contra a casca, soltando os óleos do limão, e que o suco saia o máximo possível. Depois de cinco minutos, o açúcar deve ter se transformado numa calda grossa. Cobrir com filme plástico e deixar na geladeira por umas quatro horas. Juntar 800 ml de água e deixar passar uma noite na geladeira. Coar e servir com muito gelo picado e algumas gotas de água de flor-de-laranjeira.
E o final da história... só no filme.

ninahorta@uol.com.br


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