São Paulo, sexta-feira, 08 de julho de 2005

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LANÇAMENTO/CRÍTICA

Novo García Márquez evidencia nostalgia pelo realismo mágico

ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

O lançamento de um novo romance de Gabriel García Márquez é sempre um acontecimento editorial. "Memórias de Minhas Putas Tristes" provoca ainda mais impacto porque o autor estava havia dez anos afastado da ficção. Infelizmente, o texto não corresponde a toda essa expectativa.
Inspirado em "A Casa das Belas Adormecidas", do japonês Yasunari Kawabata, recentemente lançado no Brasil (editora Estação Liberdade), a obra narra, em primeira pessoa, a relação de um velho jornalista com uma prostituta de 14 anos.
A primeira frase é promissora: "No ano de meus 90 anos quis me dar de presente uma noite de amor louco com uma adolescente virgem". No desenrolar da narrativa, surgem outros bons achados textuais e de enredo, e são eles que dão ao livro alguma força.
É inegável que o colombiano, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura em 1982, é um ótimo escritor, mas não será surpreendente que, daqui a algumas décadas, se crie uma percepção de que, em seu tempo, era um autor supervalorizado, sendo responsável, no máximo, por uma ou duas obras de primeiríssima linha.
Nestas "Memórias" fictícias, fica clara uma espécie de nostalgia de um realismo mágico já não mais possível. Se este se esgotou, que a vida, então, seja mágica no retrato delicado dos singelos feitos (e não-feitos) sexuais de um ancião especial e suas manias: "Nunca me deitei com mulher alguma sem pagar, e as poucas que não eram do ofício convenci pela razão ou pela força que recebessem o dinheiro nem que fosse para jogar no lixo".
No otimismo apregoado pela tardia descoberta do amor, no poder irrefreável das crônicas que mobilizam a cidade, no lirismo das descrições da menina nua e sempre a dormir, não parece difícil ver um imenso desejo de sentido e arrumação das coisas: "Saí radiante para a rua e pela primeira vez me reconheci no horizonte remoto do meu primeiro século. Minha casa, calada e em ordem às 6h15, começava a gozar das cores de uma aurora feliz".
Não há nenhuma interdição a fábulas nestes tempos complicados e, vez por outra, surge alguma que parece recriar condições aparentemente não mais plausíveis. Sem cuidado, contudo, é muito fácil escorregar no excesso de ingenuidade e na ausência de ironia. E aí, no final das contas, nada mesmo faz sentido.


Adriano Schwartz é professor de arte, literatura e cultura no Brasil da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP-Leste e autor de "O Abismo Invertido -°Pessoa, Borges e a Inquietude do Romance em "O Ano da Morte de Ricardo Reis'" (editora Globo).

Memórias de Minhas Putas Tristes
  
Autor: Gabriel García Márquez
Tradução: Eric Nepomuceno
Editora: Record
Quanto: R$ 24,90 (132 págs.); o livro está previsto para chegar às lojas amanhã


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