|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LANÇAMENTO/CRÍTICA
Novo García Márquez evidencia nostalgia pelo realismo mágico
ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
O lançamento de um novo
romance de Gabriel García
Márquez é sempre um acontecimento editorial. "Memórias de
Minhas Putas Tristes" provoca
ainda mais impacto porque o autor estava havia dez anos afastado
da ficção. Infelizmente, o texto
não corresponde a toda essa expectativa.
Inspirado em "A Casa das Belas
Adormecidas", do japonês Yasunari Kawabata, recentemente lançado no Brasil (editora Estação
Liberdade), a obra narra, em primeira pessoa, a relação de um velho jornalista com uma prostituta
de 14 anos.
A primeira frase é promissora:
"No ano de meus 90 anos quis me
dar de presente uma noite de
amor louco com uma adolescente
virgem". No desenrolar da narrativa, surgem outros bons achados
textuais e de enredo, e são eles que
dão ao livro alguma força.
É inegável que o colombiano,
ganhador do Prêmio Nobel de Literatura em 1982, é um ótimo escritor, mas não será surpreendente que, daqui a algumas décadas,
se crie uma percepção de que, em
seu tempo, era um autor supervalorizado, sendo responsável, no
máximo, por uma ou duas obras
de primeiríssima linha.
Nestas "Memórias" fictícias, fica clara uma espécie de nostalgia
de um realismo mágico já não
mais possível. Se este se esgotou,
que a vida, então, seja mágica no
retrato delicado dos singelos feitos (e não-feitos) sexuais de um
ancião especial e suas manias:
"Nunca me deitei com mulher alguma sem pagar, e as poucas que
não eram do ofício convenci pela
razão ou pela força que recebessem o dinheiro nem que fosse para jogar no lixo".
No otimismo apregoado pela
tardia descoberta do amor, no poder irrefreável das crônicas que
mobilizam a cidade, no lirismo
das descrições da menina nua e
sempre a dormir, não parece difícil ver um imenso desejo de sentido e arrumação das coisas: "Saí
radiante para a rua e pela primeira vez me reconheci no horizonte
remoto do meu primeiro século.
Minha casa, calada e em ordem às
6h15, começava a gozar das cores
de uma aurora feliz".
Não há nenhuma interdição a
fábulas nestes tempos complicados e, vez por outra, surge alguma
que parece recriar condições aparentemente não mais plausíveis.
Sem cuidado, contudo, é muito
fácil escorregar no excesso de ingenuidade e na ausência de ironia. E aí, no final das contas, nada
mesmo faz sentido.
Adriano Schwartz é professor de arte,
literatura e cultura no Brasil da Escola de
Artes, Ciências e Humanidades da USP-Leste e autor de "O Abismo Invertido
-°Pessoa, Borges e a Inquietude do Romance em "O Ano da Morte de Ricardo
Reis'" (editora Globo).
Memórias de Minhas Putas Tristes
Autor: Gabriel García Márquez
Tradução: Eric Nepomuceno
Editora: Record
Quanto: R$ 24,90 (132 págs.); o livro está previsto para chegar às lojas
amanhã
Texto Anterior: Flipetas Próximo Texto: Cinema/"Caiu do Céu": Novo de Boyle funciona melhor visualmente Índice
|