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ROCK
Raveonettes viaja à América dos sonhos
BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL
Visual sempre foi vital para
qualquer banda, mas o chamado
"novo rock" desta década tem especial preocupação com estilo.
Dos ternos do Strokes ao visual
gótico do Interpol, a música hoje
não vive sem a imagem.
Natural, então, que um grupo
dessa geração, como o dinamarquês Raveonettes, tenha fixação
pelo cinema. Ao lançar seu novo
disco, "Pretty in Black", pega emprestado o conceito das viagens
no tempo do filme "De Volta para
o Futuro" (1985).
"A citação ao mundo do cinema
é intencional. Gostamos de filmes
antigos. Como nossa música é
muito cinematográfica, natural
usarmos esse imaginário", diz à
Folha o vocalista e guitarrista do
Raveonettes, Sune Rose Wagner,
30, fã de filmes como "O Destino
Bate à Sua Porta" (1946) e "Um
Corpo que Cai" (1958). A vocalista loira Sharin Foo, por exemplo,
encarna o papel de femme fatale.
Trata-se de uma banda obcecada pelo passado. Tudo aqui é antigo. Do nome, referência à comédia teen oitentista "Pretty in Pink"
(no Brasil, "A Garota de Rosa-Shocking", 1986), à capa, inspirada em cartazes de filmes noir e de
Alfred Hitchcock. Da sonoridade
e das letras, que revolvem o imaginário de milk-shake, drive-in e
jukebox dos EUA dos anos 50, aos
convidados especiais do disco, como Maureen Tucker (Velvet Underground), Ronnie Spector e
Martin Rev (Suicide).
Wagner, diz, no entanto, que
não é complexado por não ter vivido a época. Será o velho pensamento reacionário de "antigamente, tudo era melhor"? "Não
sei se o mundo era melhor ou pior
naquele tempo", desconversa
Wagner, para depois afirmar, categórico: "A música era melhor,
certamente. Não gosto muito das
bandas atuais...".
Com o Raveonettes, Wagner
sempre propôs viagens regressivas. Nos dois primeiros discos,
determinou um "dogma" (uma
arte com regras, como o também
dinamarquês e cinematográfico
Dogma 95). As canções tinham o
mesmo tom, com apenas três
acordes, não ultrapassando três
minutos. A fórmula, inicialmente
encantadora, logo se confundiu
com limitação. No novo disco, há
variações, ufa! "Não havia mais
sentido. Largamos a coisa dos
acordes, não tem graça ficar sempre se repetindo. Você tem que
evoluir enquanto banda."
Se o tom saudosista já era então
evidente (quando imitavam o
Marlon Brando de "O Selvagem",
1953, e a banda escocesa Jesus &
Mary Chain), atualizado por camadas punk de distorção de guitarra, uma alusão ao "wall of
sound", sonoridade desenvolvida
pelo produtor Phil Spector, em
"Pretty in Black", as referências
são grupos vocais femininos, ou o
puro pop "chiclete". Nomes como Shangri-Las, Marvelettes e
Buddy Holly logo vêm à mente.
Na abertura, "The Heavens" já
aponta a mudança. Com influências de Elvis Presley, sai a "parede
sonora" para entrar uma balada
com guitarras limpas, espírito que
vai guiar a maior parte do disco.
"Ode to L.A.", com a convidada
Ronnie Spector, 57, no vocal, é
constrangedora, tamanha a semelhança com "Be My Baby", sucesso sixtie na voz da então jovem
cantora do Ronettes. Para não dizer que a imersão no passado é
completa, há concessões. Aparentemente meiguinhas, as letras são
mais safadas, e há mais peso em
"Love in a Trashcan" ("Se você tocar aquela garota, você sabe que
está tudo OK/Dizem que ela é
uma puta, de qualquer forma/Acho que ela parece uma vamp bacana"), ou na eletrônica (!?) "Twilight" (que faz referência ao tema
de "Além da Imaginação", 1959).
Com "Pretty in Black", o grupo
segue o espírito competitivo do
rock. Se fulano faz barulho, sicrano toca dez vezes mais alto. Com
Sune e Sharin, se tal banda é retrô,
eles têm que programar a máquina do tempo ainda mais para trás.
Pretty in Black
Artista: The Raveonettes
Lançamento: Sony/BMG
Quanto: R$ 30, em média
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