São Paulo, sexta-feira, 08 de julho de 2005

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ROCK

Raveonettes viaja à América dos sonhos

BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL

Visual sempre foi vital para qualquer banda, mas o chamado "novo rock" desta década tem especial preocupação com estilo. Dos ternos do Strokes ao visual gótico do Interpol, a música hoje não vive sem a imagem.
Natural, então, que um grupo dessa geração, como o dinamarquês Raveonettes, tenha fixação pelo cinema. Ao lançar seu novo disco, "Pretty in Black", pega emprestado o conceito das viagens no tempo do filme "De Volta para o Futuro" (1985).
"A citação ao mundo do cinema é intencional. Gostamos de filmes antigos. Como nossa música é muito cinematográfica, natural usarmos esse imaginário", diz à Folha o vocalista e guitarrista do Raveonettes, Sune Rose Wagner, 30, fã de filmes como "O Destino Bate à Sua Porta" (1946) e "Um Corpo que Cai" (1958). A vocalista loira Sharin Foo, por exemplo, encarna o papel de femme fatale.
Trata-se de uma banda obcecada pelo passado. Tudo aqui é antigo. Do nome, referência à comédia teen oitentista "Pretty in Pink" (no Brasil, "A Garota de Rosa-Shocking", 1986), à capa, inspirada em cartazes de filmes noir e de Alfred Hitchcock. Da sonoridade e das letras, que revolvem o imaginário de milk-shake, drive-in e jukebox dos EUA dos anos 50, aos convidados especiais do disco, como Maureen Tucker (Velvet Underground), Ronnie Spector e Martin Rev (Suicide).
Wagner, diz, no entanto, que não é complexado por não ter vivido a época. Será o velho pensamento reacionário de "antigamente, tudo era melhor"? "Não sei se o mundo era melhor ou pior naquele tempo", desconversa Wagner, para depois afirmar, categórico: "A música era melhor, certamente. Não gosto muito das bandas atuais...".
Com o Raveonettes, Wagner sempre propôs viagens regressivas. Nos dois primeiros discos, determinou um "dogma" (uma arte com regras, como o também dinamarquês e cinematográfico Dogma 95). As canções tinham o mesmo tom, com apenas três acordes, não ultrapassando três minutos. A fórmula, inicialmente encantadora, logo se confundiu com limitação. No novo disco, há variações, ufa! "Não havia mais sentido. Largamos a coisa dos acordes, não tem graça ficar sempre se repetindo. Você tem que evoluir enquanto banda."
Se o tom saudosista já era então evidente (quando imitavam o Marlon Brando de "O Selvagem", 1953, e a banda escocesa Jesus & Mary Chain), atualizado por camadas punk de distorção de guitarra, uma alusão ao "wall of sound", sonoridade desenvolvida pelo produtor Phil Spector, em "Pretty in Black", as referências são grupos vocais femininos, ou o puro pop "chiclete". Nomes como Shangri-Las, Marvelettes e Buddy Holly logo vêm à mente.
Na abertura, "The Heavens" já aponta a mudança. Com influências de Elvis Presley, sai a "parede sonora" para entrar uma balada com guitarras limpas, espírito que vai guiar a maior parte do disco. "Ode to L.A.", com a convidada Ronnie Spector, 57, no vocal, é constrangedora, tamanha a semelhança com "Be My Baby", sucesso sixtie na voz da então jovem cantora do Ronettes. Para não dizer que a imersão no passado é completa, há concessões. Aparentemente meiguinhas, as letras são mais safadas, e há mais peso em "Love in a Trashcan" ("Se você tocar aquela garota, você sabe que está tudo OK/Dizem que ela é uma puta, de qualquer forma/Acho que ela parece uma vamp bacana"), ou na eletrônica (!?) "Twilight" (que faz referência ao tema de "Além da Imaginação", 1959).
Com "Pretty in Black", o grupo segue o espírito competitivo do rock. Se fulano faz barulho, sicrano toca dez vezes mais alto. Com Sune e Sharin, se tal banda é retrô, eles têm que programar a máquina do tempo ainda mais para trás.


Pretty in Black
  
Artista: The Raveonettes
Lançamento: Sony/BMG
Quanto: R$ 30, em média


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