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CINEMA
Filmes sobre atentado terrorista na Argentina e sobrevivente ao Holocausto integram festival judaico, que começa amanhã
Cineastas vasculham a memória da dor
DA REPORTAGEM LOCAL
Comecemos pelo fim: "18-J" é o
título que encerra o Festival do Cinema Judaico, no próximo domingo. A mostra começa amanhã, em São Paulo, com 20 filmes
em competição.
"18-J" é referência a 18 de julho
de 1994, quando 85 pessoas morreram no maior atentado terrorista ocorrido na Argentina, contra a
sede da Amia (Associação Mutual
Israelita da Argentina).
Realizado no ano passado por
dez cineastas argentinos -cada
um assina um curta sobre o atentado, e a soma de todos produz o
longa- "18-J" se tornou o filme-marco dos dez anos do crime, ainda não esclarecido.
O diretor Daniel Burman, que
virá a São Paulo acompanhar a
mostra, não deu título ao seu episódio, filmado no bairro Once,
endereço da Amia e território cinematográfico de Burman.
É numa galeria típica do Once
que o diretor de "Esperando o
Messias" ambientou seu mais recente longa, "Abraço Partido".
Em "18-J", é também para o comércio da região que Burman
volta a sua câmera, discreta e curiosa, como o olhar de quem não
sabe bem o que lhe será revelado.
Algumas das lojas de tecidos e
sapatos não estão mais onde costumavam estar. Em seu lugar, há
grades e cadeados. Em outros casos, são os rostos atrás do balcão
que mudaram de feições. Deixaram de ser reconhecíveis.
Depois de passear pelas ruas e
de se deter nelas, Burman elege
personagens da região que "posam", imóveis, ao lado de objetos
prosaicos, em versão gigante.
É um desafio à perspectiva do
espectador? Um toque de graça
num filme melancólico? O cineasta prefere não dar explicações.
"É apenas uma maneira de pontuar as coisas. Não tem uma interpretação conceitual estrita", disse
Burman à Folha, por telefone, de
Buenos Aires.
Mas há, sim, uma idéia bem
fundamentada por trás de seu
curta em "18-J". É o diretor quem
a explica. "Eu sabia que muita
gente iria tratar da dor de forma
mais imediata e me interessava
por outro recorte."
Por isso fugiu da "primeira linha da dor, esta que aparece nas
conseqüências mais evidentes da
grande tragédia, que são a morte e
o sofrimento".
Foi buscar os acontecimentos
posteriores, "as conseqüências
mais sutis, que fazem a vida das
pessoas ir mudando depois da
tragédia".
Mudanças como o abandono,
"não por moda", de um hábito,
um endereço, uma profissão, um
negócio de família.
Enquanto Burman lidou com o
objetivo de abordar o segundo
plano da tragédia, o diretor Sergio
Oksman se viu diante do desafio
de tratar da memória e da reconstrução do passado no cinema -a
arte da imagem em movimento.
É de Oksman "A Esteticista",
baseado nas lembranças da personagem-título, Emmy Blum, do
contato com o carrasco nazista
Josef Mengele (1911-79) no campo
de concentração de Auschwitz.
Oksman abriu mão de uma
montagem convencional, "com
imagens de arquivo, música triste
e voz de um narrador", quando
percebeu que, "ao mostrar como
o diretor manipula ou reorganiza
o passado da personagem, estaria
evidenciando, por similitude, como a própria personagem trabalha com sua memória".
O contato com as zonas escuras
da memória de Blum deu a Oksman a impressão de que a esteticista narra sua história não para
impedir-se de esquecê-la, mas para "não sentir a dor de novo".
(SILVANA ARANTES)
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