São Paulo, segunda-feira, 08 de agosto de 2005

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CINEMA

Filmes sobre atentado terrorista na Argentina e sobrevivente ao Holocausto integram festival judaico, que começa amanhã

Cineastas vasculham a memória da dor

DA REPORTAGEM LOCAL

Comecemos pelo fim: "18-J" é o título que encerra o Festival do Cinema Judaico, no próximo domingo. A mostra começa amanhã, em São Paulo, com 20 filmes em competição.
"18-J" é referência a 18 de julho de 1994, quando 85 pessoas morreram no maior atentado terrorista ocorrido na Argentina, contra a sede da Amia (Associação Mutual Israelita da Argentina).
Realizado no ano passado por dez cineastas argentinos -cada um assina um curta sobre o atentado, e a soma de todos produz o longa- "18-J" se tornou o filme-marco dos dez anos do crime, ainda não esclarecido.
O diretor Daniel Burman, que virá a São Paulo acompanhar a mostra, não deu título ao seu episódio, filmado no bairro Once, endereço da Amia e território cinematográfico de Burman.
É numa galeria típica do Once que o diretor de "Esperando o Messias" ambientou seu mais recente longa, "Abraço Partido".
Em "18-J", é também para o comércio da região que Burman volta a sua câmera, discreta e curiosa, como o olhar de quem não sabe bem o que lhe será revelado.
Algumas das lojas de tecidos e sapatos não estão mais onde costumavam estar. Em seu lugar, há grades e cadeados. Em outros casos, são os rostos atrás do balcão que mudaram de feições. Deixaram de ser reconhecíveis.
Depois de passear pelas ruas e de se deter nelas, Burman elege personagens da região que "posam", imóveis, ao lado de objetos prosaicos, em versão gigante.
É um desafio à perspectiva do espectador? Um toque de graça num filme melancólico? O cineasta prefere não dar explicações.
"É apenas uma maneira de pontuar as coisas. Não tem uma interpretação conceitual estrita", disse Burman à Folha, por telefone, de Buenos Aires.
Mas há, sim, uma idéia bem fundamentada por trás de seu curta em "18-J". É o diretor quem a explica. "Eu sabia que muita gente iria tratar da dor de forma mais imediata e me interessava por outro recorte."
Por isso fugiu da "primeira linha da dor, esta que aparece nas conseqüências mais evidentes da grande tragédia, que são a morte e o sofrimento".
Foi buscar os acontecimentos posteriores, "as conseqüências mais sutis, que fazem a vida das pessoas ir mudando depois da tragédia".
Mudanças como o abandono, "não por moda", de um hábito, um endereço, uma profissão, um negócio de família.
Enquanto Burman lidou com o objetivo de abordar o segundo plano da tragédia, o diretor Sergio Oksman se viu diante do desafio de tratar da memória e da reconstrução do passado no cinema -a arte da imagem em movimento.
É de Oksman "A Esteticista", baseado nas lembranças da personagem-título, Emmy Blum, do contato com o carrasco nazista Josef Mengele (1911-79) no campo de concentração de Auschwitz.
Oksman abriu mão de uma montagem convencional, "com imagens de arquivo, música triste e voz de um narrador", quando percebeu que, "ao mostrar como o diretor manipula ou reorganiza o passado da personagem, estaria evidenciando, por similitude, como a própria personagem trabalha com sua memória".
O contato com as zonas escuras da memória de Blum deu a Oksman a impressão de que a esteticista narra sua história não para impedir-se de esquecê-la, mas para "não sentir a dor de novo".
(SILVANA ARANTES)

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