São Paulo, terça-feira, 08 de agosto de 2006

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FERNANDO BONASSI

São terroristas

Imunidades parlamentares se tornaram bem dos criminosos, que podem se esconder debaixo dos tapetes persas da lei

OS IDEÓLOGOS, dicionaristas e demais doutores que analisam as doenças das palavras que me perdoem, mas são terroristas todos esses senhores com cintos de castidade explosivos e furtivos acessórios detonadores que defendem a liberdade de sermos conservadores como eles.
São igualmente terroristas os vanguardistas exclusivistas que acham que ninguém pode viver a seu modo, já que suas explosões de vaidade, comodidade ou autoridade requerem a precedência admirada de uma audiência treinada para servir-lhes.
Servem às causas terroristas as autoridades militares que derrubam aviões de carreira com as suas correrias turbinadas de imunidades.
As imunidades parlamentares também se tornaram um bem patrimonial bem legal dos terroristas, já que podem se esconder por debaixo dos tapetes persas na forma da lei, que é deformada, gigantesca, faz sombras, é lerda e promulgada em causa própria.
Para que os juízes se tornassem terroristas, foi necessário que as suas casas próprias fossem financiadas com juros corporativos, porém suaves, para que tenham presente o peso dos ativos e a parcimônia da futura aposentadoria ao lerem esses inquéritos infinitamente mal instigados, investigados e escritos. Os votos secretos e as vistas grossas a esses processos são feitos em voto secreto, na calada de uma noite dessas... Assim essas noites ficam ainda mais obscuras, já que o voto secreto é a melhor arma dos terroristas que se escondem dos representantes como uma caixa de bombons que se esquece num vagão de trem (em São Paulo, Belém, Madri, Beirute, Bagdá, Washington, Jerusalém ou Mumbai, a escolher).
São terroristas os exércitos de ocupação e os bandidos armados que oferecem trabalho, diversão ou proteção à custa da desolação.
E, por falar em escolhas traumáticas num ano de eleição, são terroristas todos esses conteúdos de esperança adulterados em embalagens coloridas de propagandas de mudança.
São terroristas os editores das fofocas das revistas, os jornalistas da dramatização da realidade e os roteiristas de "ficção-verdade" que amesquinham o imaginário e a vontade dos espectadores lesados pelo trabalho repetitivo com os detalhes esquisitos entrevistos entre as pernas, as idéias e cuecas da elite de celebridades.
São terroristas os estadistas sorridentes que mastigam seus banquetes para as câmeras de televisão. Há por demais fome de paz para que possamos digerir essa tranqüilidade com que se fartam enquanto os outros se matam por um litro de gasolina, um par de tênis ou um pedaço de pão...
Os terroristas são patéticos políticos hiper-realistas que deixaram de lado todo o prazer da imaginação!
Assim, os terroristas antes de mais nada seriam fascistas, considerando tudo o que disseram deles os comunistas. Já os comunistas tornaram-se terroristas porque deixaram de perseguir o sonho dos idealistas, preferindo aterrorizar os anarquistas com o deus do emprego e o inferno do trabalho. Os anarquistas sucumbiram em meio às fissuras de sua confusão, de forma que até os sindicalistas se tornaram terroristas ao desistirem de reclamar pelo lazer das férias, passando a implorar a esmola do salário.
São terroristas os pastores vigaristas, os descrentes materialistas e os cordeiros desses rebanhos crentes demais.
São terroristas que alugam e sonegam ambulâncias gratuitas, que não constroem as loucuras que prometem ou prometem com lucidez a solidez do que se desmancha no ar.
São terroristas com fardas, com chuteiras, gravatas e todas as armas da civilização, como canetas, calculadoras, índices de inflação, eventos de lançamento e lançadores de granada.
Há terroristas cujo disfarce é a simplicidade, mas são evidentemente terroristas os dos carros blindados, relógios importados e sapatos envernizados.
Também são terroristas os que enchem malas de dinheiro enviadas aos paraísos fiscais para gozar prazeres com mil virgens venais.
São terroristas os ordenados que se pagam e os serviços desordenados que se prestam, ou não prestam, simplesmente.
São terroristas os que aterrorizam os filhos com responsabilidades e os irresponsáveis que atemorizam os pais com a excitação da herança.
Isso tudo é um terror mesmo...
Aliás, revolução de verdade é transferir renda (de verdade) em tempos de paz. Mas isso também não importa, porque, se não for de verdade e em tempos de paz, há de ser algo de qualquer maneira...
Que Deus vos acompanhe.


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