São Paulo, segunda-feira, 08 de setembro de 2008

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Fera solta em Veneza

Boxeador e protagonista de "The Wrestler", vencedor do Leão de Ouro em Veneza, Mickey Rourke -com seu chihuahua- encerra o festival

Denis Balibouse / Reuters
Aos 52 anos, o boxeador profissional que acumula 17 nocautes chega ao tapete vermelho no sábado com a cachorra de estimação

IVAN FINOTTI
ENVIADO ESPECIAL A VENEZA

"Isto aqui vai para um filme com uma performance de partir o coração. E, quando falo em partir o coração, vocês sabem que estou falando em Mickey Rourke." Foi dessa forma emocionada, segurando o Leão de Ouro com as duas mãos, que Wim Wenders anunciou o prêmio máximo do Festival de Veneza, encerrado anteontem, para o filme "The Wrestler", de Darren Aronofsky.
Com um largo sorriso, de gravata vermelha com bolinhas brancas, Mickey Rourke, a fera politicamente incorreta, largou por um instante seu chihuahua e contrariou a etiqueta pela segunda vez no sábado: subiu ao palco para receber o prêmio dado para Aronofsky (que veio correndo atrás de Rourke).
"Obrigado por terem me convidado para a festa. Darren é o cineasta mais corajoso que conheço. Poderia fazer outros tipos de filme e ganhar muito dinheiro, mas sou seu fã porque ele não tem medo de fracassar e cair de bunda no chão. E agradeço muito ao júri por ter tomado a decisão correta [de premiar "The Wrestler']", disse, com seu jeito sério de tirar sarro de todo mundo.
A primeira vez que contrariou a etiqueta naquela noite havia sido 40 minutos antes, quando apareceu no tapete vermelho da Sala Grande de Veneza com seu cachorrinho de estimação. Não perguntou para ninguém se podia. Apenas foi entrando com o cão na sala de premiação, onde só são admitidos homens de smoking e mulheres de longo.
Rourke, 52 anos, boxeador profissional, 17 nocautes, raiva assustadora, 1,80 m de altura, ex-novo James Dean, peso desconhecido, paciência altamente limitada, é fanático por esses pequenos cachorrinhos de 20 centímetros.
"Trouxe minha cachorra porque ela é muito velha, não vai viver muito e quero passar todos os momentos que puder com ela." Ele realmente ama esses animais. Tem sete atualmente e, há um ano e meio, se envolveu numa briga pública com uma pet shop que lhe vendeu um cão doente. Chegou a liderar uma passeata nas ruas de Miami para fechar a loja.
"Essa aqui tem 17 anos e fez uma cirurgia no coração há dois meses. Significa muito para ela estar aqui comigo", contou. Rourke só vira fera de novo quando, cercado por jornalistas, é obrigado a ouvir tantas perguntas cretinas.
Tipo essa, de uma francesa: "Não gosto de luta-livre e de violência. Pensei em sair do filme depois de 20 minutos. Mas sou uma jornalista que leva a profissão a sério. Me obriguei a ver o filme todo. E, de repente, passa da violência para um estado de graça. E isso é tão incrível! Como vocês fazem para operar esse milagre?".
Rourke olha para a multidão de jornalistas e diz: "Vocês tiveram mais paciência do que eu teria. Se fosse eu, teria mandado calar logo a boca". Então, vira para a francesa e não responde nada do que ela perguntou, e sim como odiava a luta-livre, "porque é entretenimento, tipo balé", e como agora aprendeu a respeitar os lutadores, "porque eles se machucam de verdade e acabam em cadeiras de rodas".
Mas não é preciso ir tão longe para tirar do sério Mickey Rourke, protagonista de filmes como "Nove e Meia Semanas de Amor" e "Coração Satânico". Você pode apenas querer elogiá-lo, como ocorreu com um repórter italiano: "Senhor Rourke, o senhor acha que "The Wrestler" segue a mesma linhagem de "Touro Indomável'?".
"Touro Indomável", de Martin Scorsese, mostra a ascensão e queda de um boxeador (Robert de Niro). É cult e adorado. E, se De Niro recebeu um Oscar em 1981 por esse trabalho, talvez Rourke possa ser ao menos indicado, não é mesmo?
"Você está misturando as coisas", começou, nervoso. "Está misturando maçãs com laranjas, cara." Rourke parecia inchar na pequena cadeira. "Você... você é muito ignorante", soltou, finalmente. "Este filme ["The Wrestler'] não tem nada a ver com a p... do boxe, ok? É um filme sobre a p... da luta-livre! Por que você acha que esse filme tem a ver com boxe, cara? É como confundir pingue-pongue e futebol!"
Entre demonstrações de enfastio e explosões de Rourke, vemos Aronofsky segurando seu Leão de Ouro com a mão direita e, com a esquerda, tentando conter a fera, segurando-a pelo braço, explicando a intenção da pergunta em seu ouvido, tentando ver os olhos do ator que não tirou os óculos escuros.
Porque, a qualquer momento, parece que ali mesmo Rourke vai saltar sobre a mesa e aplicar golpes de luta-livre nesses jornalistas irritantes e confiná-los em cadeiras de rodas. Ou talvez aplique golpes de boxe mesmo, um cruzado de direita, um jab. Seria mais típico de Mickey Rourke, a fera.

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