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CRÍTICA
Destruição e esterilidade assombram autor
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
Este primeiro romance de
Marcelo Mirisola, autor de
contos elogiados pela crítica, deve
desagradar muitos leitores. Nem
tanto pela prosa, que é simples,
límpida e, salvo a linguagem chula, elegante. Mirisola é um estilista. O problema reside na narrativa, sempre no limiar da dissolução com a autobiografia e a poesia, e que nos faz perguntar: do
que diabos ele está falando, afinal?
Não que não haja uma história
aqui. Há, e, da maneira como nos
é contada, parece bem colada à
trajetória do próprio autor. Nascido em família burguesa, prestou
serviço militar, viajou ao interior,
morou em Santos e São Paulo, onde se dividiu entre o submundo e
os sebos. Acabou em Florianópolis, onde a carreira de escritor antes rejeitado deslanchou.
Que o leitor nos desculpe por
descrevermos a história assim, de
supetão, mas julgamos não ter estragado o prazer da leitura. Mirisola despreza o enredo, que não
passa, para ele, de "coisa de criança". Os personagens e situações
não aparecem bem definidos, em
cenas que interagem logicamente.
Assomam como fantasmas pouco
distintos, saídos da consciência
do personagem principal, o único
que nos é palpável: o narrador.
É tentador definir (se isso é possível) "O Azul do Filho Morto"
como um "Bildungsroman", um
romance de formação. A questão
não está tanto no fato de o herói
de Mirisola, ao contrário de o de
um "Bildungsroman", não ser
exatamente jovem. E de que, embora narre episódios de sua infância, tenha esticado sua trajetória
muito além do período de formação. Em favor de nossa tese, poderíamos dizer que o reconhecimento público que o herói ganha
como escritor poderia até ser visto como um ponto de ruptura, o
momento em que a primeira batalha está ganha e ele passa a compreender sua missão artística.
A distinção baseia-se no fato de
que não há um sentido final de redenção (pela arte ou por algum
outro elemento) no livro de Mirisola. O que temos é a dissipação
nas labaredas de um incêndio
(real? imaginário?), no meio do
qual o narrador elabora a imagem
do filho morto num vidro de
maionese. O romance se abre
com a imagem de um coelho, sobre o qual comenta: "Vale que
coelho é um bicho que fode. Um
bicho que fode". Da carga priápica dessa imagem inicial o autor
desenvolve sua obsessão em torno do desejo carnal e da posse, para enfim descartá-la no desfecho
apocalíptico que arremeda Machado de Assis e suas "Memórias
Póstumas de Brás Cubas". O defunto de Machado orgulha-se de
não ter tido filhos. O narrador de
"O Azul" diz: "Eu, da minha parte, creio que pior que deixar filhos
é deixar livros. Os filhos podem
esquecê-lo e renegá-lo [..." Os livros, não. São filhos amaldiçoados (os melhores, evidentemente)
e mortos-vivos para sempre."
Afligido por esse novo e irreparável ato de criação, Mirisola imagina um filho natimorto, daí as
imagens de destruição, desolação
e esterilidade que surgem no final.
Trata-se de mais um fantasma a
lhe assombrar a consciência.
O Azul do Filho Morto
Autor: Marcelo Mirisola
Editora: 34
Quanto: R$ 18 (172 págs.)
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