São Paulo, quarta-feira, 09 de março de 2005

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LITERATURA

Obras de autores consagrados, como Ian McEwan e Joyce Carol Oates, trazem atentados em suas tramas

Cenas do 11 de Setembro voltam literárias

EDWARD WYATT
DO "NEW YORK TIMES"

Depois de três anos do 11 de Setembro, o mundo literário começa a enfrentar os significados e conseqüências do pior ataque terrorista já realizado nos EUA.
Meia dúzia de romances que usam o 11 de Setembro e o período que se segue como elementos centrais de suas tramas, de alguns dos mais aclamados romancistas, devem sair ainda neste ano. Número semelhante já chegou às livrarias nos últimos meses.
Em "Windows on the World" (janelas para o mundo) (Miramax), Frédéric Beigbeder imagina o café da manhã de um pai divorciado acompanhado pelos filhos num restaurante do World Trade Center. Em "The Good Priest's Son" (o filho do bom pastor), Reynold Price fala sobre um restaurador cujo vôo de volta para os EUA é desviado para o Canadá na manhã do 11 de Setembro, enquanto seu apartamento é varrido pelos destroços do atentado.
Em "Saturday" (sábado) (Nan A. Talese/Doubleday), de Ian McEwan, pai e filha debatem se o Iraque teve algum envolvimento nos ataques de 11 de setembro. "The Writing on the Wall" [a escrita na parede] (Counterpoint), de Lynne Sharon Schwartz, retrata uma bibliotecária cujo mundo protegido se dilacera quando ela vê um avião atingindo o World Trade Center. E em "Extremely Loud and Incredibly Close" [extremamente alto e incrivelmente perto] (Houghton Mifflin), de Jonathan Safran Foer, um menino procura pela cidade a fechadura para a chave que encontrou no armário do pai, morto no atentado.
O 11 de Setembro ganhou espaço em diversos veículos de mídia. Músicos country demoraram poucas semanas para lançar canções patrióticas, e outros tributos musicais, poemas, peças, documentários e livros de não-ficção em breve se seguiram. E, embora os atentados tenham sido assunto de livros de ficção de massa, como os de mistério, só agora estão sendo publicados livros por autores respeitados pela crítica.
"Algumas formas de arte se prestam a um tratamento mais imediato de um evento como o 11 de Setembro", escreveu James Shapiro, professor de inglês na Universidade Columbia. "Mas um romance precisa fazer mais. Um romancista precisa sustentar uma história que pareça satisfatória às pessoas que realmente viveram aquele acontecimento."
Joyce Carol Oates, escritora e crítica cujo conto "The Mutants" [os mutantes] trata de uma mulher aprisionada em seu apartamento em Manhattan em 11 de setembro, disse que romances talvez não sejam a forma de arte ideal para lidar com o tema. "A melhor forma de arte para tratar dos acontecimentos talvez seja o cinema, porque consegue capturar a qualidade alucinatória daquelas longas horas de assédio."
Nenhum dos romances literários que se inspiram no 11 de Setembro conquistou grande número de leitores, até agora. Mas dada a popularidade dos trabalhos anteriores de McEwan e Foer, isso pode mudar.
O estilo livre e surrealista de prosa que Foer emprega talvez seja o mais próximo que a literatura pode chegar desse ideal alucinatório mencionado por Oates. O romance que ele está por publicar incluirá páginas em branco, páginas contendo uma única sentença, páginas contendo apenas números e muitas fotos, entre as quais, imagens manipuladas para simular um corpo caindo do topo do World Trade Center.
"Windows on the World" e "The Third Brother" [o terceiro irmão], de Nick McDonell, também tentam representar literalmente cenas dos ataques. Outros optaram por uma abordagem mais figurativa. O livro de McEwan, por exemplo, que se passa muito depois do 11 de Setembro, se inicia com um evento que se presume seja obra de terroristas.
"Windows on the World", já é best-seller na França, o país natal de Beigbeder, sobre as tensões entre Paris e Washington em razão dos eventos que se seguiram ao 11 de Setembro. "Se uma catástrofe acontece, temos de torná-la útil, de modo que possamos tentar impedir que se repita. É preciso compreendê-la, e por isso escrevi esse romance", diz Beigbeder.
Mas diante de tantas pessoas conectadas às vítimas fatais do 11 de Setembro, levar um leitor ao interior da torre do World Trade Center, pode evocar reações hostis.
"Me disseram que fazê-lo era obsceno", conta o francês. "Mas essa é a idéia de escrever ficção a respeito da história. É chocante. Não deveríamos ter medo de escrever sobre o que importa."
McDonell, 21, disse que soube logo após o 11 de Setembro que transformaria os ataques em tema de livro. "Comecei a tomar notas no dia seguinte", diz McDonell.
Shapiro destaca que embora não haja regra quanto ao tempo ideal para que se possa transformar em ficção um evento como o 11 de Setembro, os melhores romances que tomam eventos cataclísmicos por tema levaram anos em desenvolvimento. Cita como exemplo "The Things They Carried" [as coisas que eles carregavam], de Tim O'Brien sobre a Guerra do Vietnã, de 1990, mais ou menos duas décadas após os eventos retratados.


Tradução Paulo Migliacci

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