São Paulo, sexta-feira, 09 de março de 2007 |
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Música - Crítica/CD/"Civilizacao & Barbarye" Argentino, Musotto explora muito bem o som do berimbau
ARTHUR NESTROVSKI ARTICULISTA DA FOLHA Um argentino tocando berimbau? Pode parecer absurdo -para quem não conhece o criador da "Berimbao Modern Orchestra" e não escutou "Sudaka", lançado em 2003 (o DVD, ao vivo, saiu em 2005). Radicado na Bahia desde 1984, Ramiro Musotto toca um berimbau que, a essa altura, não é mais de país algum: é um berimbau todo seu, cruzando identidades com uma verdade própria e solar. "Civilizacao & Barbarye", seu segundo disco solo, abre com uma faixa de berimbau. Ou melhor, vários berimbaus, cada um afinado numa nota, de tal modo que a seqüência de toques produz arpejos (acordes "dedilhados"). Tudo nasce do intervalo mais típico do instrumento, uma segunda maior, correspondendo à corda solta ou tensionada do berimbau. Só que aqui são dois acordes: um acorde menor (com sétima e nona) e seu vizinho acima. Para além da estranheza timbrística desse megaberimbau, a montagem dos acordes cria um efeito ambíguo de tonalidade menor/ maior. E então, sobre esses acordes, um outro berimbau "canta". A ambigüidade do conjunto, construída com meios tão simples, serve de emblema de outros recursos ao longo das faixas. São dez cenas musicais, mais do que "canções" -sem desprezar os cantos que se escuta do início ao fim, entoados por, entre outros, os convidados Chico César e Arto Lindsay, e o coro de meninos guaranis da aldeia Morro da Saudade. Tudo isso, mais um rico arsenal de percussão, vem se nutrir de um virtuosístico tratamento eletrônico, que gera ambiências e contrapontos para a música de uma verdadeira orquestra internacional de colaboradores, mais o conjunto Sudaka essencial: Léo Leobons, Sacha Amback, Ramirito Gonzalo e Mintcho Garramone. Ambiente original O resultado é um ambiente sonoro original, que conversa com a produção latino-americana de ponta. Em especial, é a América negra que aparece no coração da música, irrigada de sangue musical nordestino e abrigando ainda o samba e o choro. O que amarra tantas referências, num disco todo tramado é uma pauta política de resistência, que abre espaço para uma fala do subcomandante Marcos e narrativas do bando de Lampião. As referências são cruciais para o projeto estético libertário de Musotto; se correm o risco de virar efeito, por outro lado acenam com uma pertinência de propósitos que reforça o empenho da empreitada. Mas é a força da música, afinal, que sustenta tudo. E essa força fala mais do que os discursos: nessa música, composta com tanto engenho a partir de elementos tão simples, o que faz ouvir, afinal, é um convincente, afetuoso "sim", contra tudo que nos diz "não" na barbárie e na civilização. CIVILIZACAO & BARBARYE Artista: Ramiro Musotto Gravadora: Los Años Luz (www.laldiscos.com) Quanto: R$ 20, em média Texto Anterior: Cinema: Argentina abre o 22º festival de cinema de Mar del Plata Próximo Texto: Crítica/MPB: Guinga se solta como cantor em novo álbum Índice |
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