São Paulo, Sexta-feira, 09 de Abril de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CRÍTICA
Anti-herói "humaniza" metrópole

da Equipe de Articulistas

No cinema francês, há uma longa tradição de policiais românticos em que uma garota de classe média se envolve com um pequeno bandido, charmoso e desajustado.
Essa linhagem, que teve seu início e ápice com o "Acossado" (1958), de Godard, e depois se diluiu no esteticismo publicitário de Luc Besson ("Subway", 1985) e Leos Carax ("Sangue Ruim", 1986), ganha agora uma inesperada renovação, com esse "Os Olhares de Tóquio", realizado no Japão pelo francês Jean-Pierre Limosin.
O anti-herói aqui é o jovem K. (Shinji Takeda), um programador de videogames que se torna o insólito justiceiro "Quatro Olhos" quando coloca seus óculos de míope. Seus alvos são comerciantes malcriados, porteiros de boate presunçosos e todo tipo de pequenos patifes de que as cidades modernas andam cheias.
O que mais intriga os policiais e a mídia local é que o justiceiro "Quatro Olhos" nunca fere as vítimas com seus tiros, apenas as assusta. A polícia atribui isso à suposta miopia do rapaz, mas a explicação está em outra parte, e quem vai descobri-la é a bela Hinano (Hinano Yoshikawa), jovem irmã de um dos policiais empenhados na captura do justiceiro.
Essa historinha quase cartunesca é contada de forma ágil e vibrante, com uma montagem enxuta e pouca conversa jogada fora, ao som de muita música tecno, mas ao mesmo tempo com a sensibilidade de perceber que a sociedade contemporânea -sobretudo a japonesa- é uma permanente guerra pela conquista do olhar.
Na exposição do dia-a-dia da metrópole, como pano de fundo das andanças de K. e Hinano, há um lirismo há muito tempo ausente das produções rotineiras ocidentais.
O diretor Limosin resumiu numa entrevista: "De fora, Tóquio parece uma cidade fria, moderna, mas com uma ordem oculta. Quanto mais perto se chega dela, tanto mais ela se aproxima, mais humana se torna".
Um dos méritos do filme é justamente o de buscar essa humanidade oculta sob a dureza impessoal da metrópole.
A participação de Takeshi Kitano, como um tarefeiro da Yakuza (a máfia japonesa), perto do fim do filme, mais que uma mera homenagem, é uma ponte com o vigoroso cinema policial japonês moderno.
Mais que uma roupagem nova para um velha matriz narrativa, o que "Os Olhares de Tóquio" traz de mais animador é a reconquista de um certo frescor e de uma certa vitalidade para um "gênero" (o amor entre balas) banalizado pela televisão e por Hollywood.
(JOSÉ GERALDO COUTO)


Avaliação




Filme: Olhares de Tóquio Produção: França/Japão, 1998 Direção: Jean-Pierre Limosin Com: Shinji Takeda, Hinano Yoshikawa, Takeshi Kitano, Kaori Mizushima Onde: Espaço Unibanco 4


Texto Anterior: "Kundun": Fábula de Scorsese sintoniza crença e cinefilia
Próximo Texto: José Simão: Dalai-lama confunde ACM com elefante branco!
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.