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CRÍTICA
Anti-herói "humaniza" metrópole
da Equipe de Articulistas
No cinema francês, há uma
longa tradição de policiais românticos em que uma garota de
classe média se envolve com um
pequeno bandido, charmoso e
desajustado.
Essa linhagem, que teve seu
início e ápice com o "Acossado"
(1958), de Godard, e depois se
diluiu no esteticismo publicitário de Luc Besson ("Subway",
1985) e Leos Carax ("Sangue
Ruim", 1986), ganha agora uma
inesperada renovação, com esse
"Os Olhares de Tóquio", realizado no Japão pelo francês Jean-Pierre Limosin.
O anti-herói aqui é o jovem K.
(Shinji Takeda), um programador de videogames que se torna
o insólito justiceiro "Quatro
Olhos" quando coloca seus óculos de míope. Seus alvos são comerciantes malcriados, porteiros de boate presunçosos e todo
tipo de pequenos patifes de que
as cidades modernas andam
cheias.
O que mais intriga os policiais
e a mídia local é que o justiceiro
"Quatro Olhos" nunca fere as vítimas com seus tiros, apenas as
assusta. A polícia atribui isso à
suposta miopia do rapaz, mas a
explicação está em outra parte, e
quem vai descobri-la é a bela Hinano (Hinano Yoshikawa), jovem irmã de um dos policiais
empenhados na captura do justiceiro.
Essa historinha quase cartunesca é contada de forma ágil e
vibrante, com uma montagem
enxuta e pouca conversa jogada
fora, ao som de muita música
tecno, mas ao mesmo tempo
com a sensibilidade de perceber
que a sociedade contemporânea
-sobretudo a japonesa- é
uma permanente guerra pela
conquista do olhar.
Na exposição do dia-a-dia da
metrópole, como pano de fundo
das andanças de K. e Hinano, há
um lirismo há muito tempo ausente das produções rotineiras
ocidentais.
O diretor Limosin resumiu numa entrevista: "De fora, Tóquio
parece uma cidade fria, moderna, mas com uma ordem oculta.
Quanto mais perto se chega dela,
tanto mais ela se aproxima, mais
humana se torna".
Um dos méritos do filme é justamente o de buscar essa humanidade oculta sob a dureza impessoal da metrópole.
A participação de Takeshi Kitano, como um tarefeiro da Yakuza (a máfia japonesa), perto
do fim do filme, mais que uma
mera homenagem, é uma ponte
com o vigoroso cinema policial
japonês moderno.
Mais que uma roupagem nova
para um velha matriz narrativa,
o que "Os Olhares de Tóquio"
traz de mais animador é a reconquista de um certo frescor e de
uma certa vitalidade para um
"gênero" (o amor entre balas)
banalizado pela televisão e por
Hollywood.
(JOSÉ GERALDO COUTO)
Avaliação
Filme: Olhares de Tóquio
Produção: França/Japão, 1998
Direção: Jean-Pierre Limosin
Com: Shinji Takeda, Hinano Yoshikawa,
Takeshi Kitano, Kaori Mizushima
Onde: Espaço Unibanco 4
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