São Paulo, sexta-feira, 09 de junho de 2000


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CRÍTICA
Filme arrisca-se a atolar na tradição

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

D esde a segunda metade dos anos 90, certos atores tornaram-se puro signo: Richard Harris, Jason Robards, Anne Bancroft. Quando aparecem nos filmes dão a impressão menos de fazer um papel do que de vincular o filme de que participam com a tradição americana e marcar certa oposição ao cinema videogame de que um dos expoentes é, por exemplo, "Clube da Luta".
Se existe uma surpresa em "Tenha Fé", ela consiste justamente em afirmar esse vínculo e essa distância, já que o papel que mais notabilizou Edward Norton como ator foi, justamente, o que fez em "Clube da Luta".
Passando à direção, no entanto, ele entende mostrar logo de cara que seu caminho é outro. Anne Bancroft será a atriz signo do filme, embora duas outras participações chamem a atenção: a de Eli Wallach e a do diretor tcheco Milos Forman, com quem Norton trabalhou em "O Povo Contra Larry Flint" (1996).
Isto posto, há de se admitir que o principal risco de "Tenha Fé" consiste em atolar-se na tradição até o pescoço. Existe ali a história de uma amizade masculina (entre Norton e Ben Stiller) ameaçada pela presença de uma mulher (Jenna Elfman).
Amigos desde a infância, os dois rapazes tornam-se religiosos renovadores. Norton vira padre; Stiller, rabino. Continuam inseparáveis e ecumênicos.
Até que a garota entra em cena, despertando a atenção de ambos. Inútil dizer que existem aí outros elementos de tensão.
Padre Norton enfrenta a interdição da sexualidade aos religiosos católicos; rabino Stiller tem contra si o fato de a garota não ser judia.
Os aspectos simpáticos da questão são evidentes. Como ser contra um filme que propõe o entendimento entre tradições, religiões, pigmentação? Quanto a isso, nenhuma discussão.
O problema do filme inscreve-se em boa parte no seu partido: para transmitir a idéia de entendimento ecumênico, Norton precisa compor personagens incapazes de vilanias notáveis, mesmo quando está em jogo seu desejo por uma mulher.
Se isso os eleva à categoria de quase-santos, tende a criar personagens rasos, excessivamente convencionais, mesmo se as situações em que se acham envolvidos não o são.
Nesse sentido, "Tenha Fé" -abstraída a carolice indispensável ao tema- faz lembrar um pouco aquela história de Fritz Lang, o cineasta alemão, quando lhe perguntaram se, por acaso, não gostava de mulheres, já que suas personagens femininas eram invariavelmente perversas.
Lang respondeu mais ou menos o seguinte: "Não é que eu não goste. Existem mulheres que são bondosas, ótimas pessoas, donas de casa exemplares. Mas não dão personagens interessantes".
"Tenha Fé" é a história de dois rapazes tão retos que não se aguentam como seres humanos -ao menos seres humanos interessantes-, mas também não são santos. São apenas bons rapazes, o que condena o filme à mornice.


Tenha Fé
Keeping the Faith    Direção: Edward Norton Produção: EUA, 2000 Com: Ben Stiller, Edward Norton, Anne Bancroft Quando: a partir de hoje nos cines Eldorado 1, Extra Anchieta 7 e circuito




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