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CRÍTICA
Filme arrisca-se a atolar na tradição
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA
D esde a segunda metade dos
anos 90, certos atores tornaram-se puro signo: Richard Harris, Jason Robards, Anne Bancroft. Quando aparecem nos filmes dão a impressão menos de fazer um papel do que de vincular o
filme de que participam com a
tradição americana e marcar certa
oposição ao cinema videogame
de que um dos expoentes é, por
exemplo, "Clube da Luta".
Se existe uma surpresa em "Tenha Fé", ela consiste justamente
em afirmar esse vínculo e essa distância, já que o papel que mais notabilizou Edward Norton como
ator foi, justamente, o que fez em
"Clube da Luta".
Passando à direção, no entanto,
ele entende mostrar logo de cara
que seu caminho é outro. Anne
Bancroft será a atriz signo do filme, embora duas outras participações chamem a atenção: a de Eli
Wallach e a do diretor tcheco Milos Forman, com quem Norton
trabalhou em "O Povo Contra
Larry Flint" (1996).
Isto posto, há de se admitir que
o principal risco de "Tenha Fé"
consiste em atolar-se na tradição
até o pescoço. Existe ali a história
de uma amizade masculina (entre
Norton e Ben Stiller) ameaçada
pela presença de uma mulher
(Jenna Elfman).
Amigos desde a infância, os dois
rapazes tornam-se religiosos renovadores. Norton vira padre;
Stiller, rabino. Continuam inseparáveis e ecumênicos.
Até que a garota entra em cena,
despertando a atenção de ambos.
Inútil dizer que existem aí outros
elementos de tensão.
Padre Norton enfrenta a interdição da sexualidade aos religiosos católicos; rabino Stiller tem
contra si o fato de a garota não ser
judia.
Os aspectos simpáticos da questão são evidentes. Como ser contra um filme que propõe o entendimento entre tradições, religiões,
pigmentação? Quanto a isso, nenhuma discussão.
O problema do filme inscreve-se em boa parte no seu partido:
para transmitir a idéia de entendimento ecumênico, Norton precisa compor personagens incapazes
de vilanias notáveis, mesmo
quando está em jogo seu desejo
por uma mulher.
Se isso os eleva à categoria de
quase-santos, tende a criar personagens rasos, excessivamente
convencionais, mesmo se as situações em que se acham envolvidos não o são.
Nesse sentido, "Tenha Fé"
-abstraída a carolice indispensável ao tema- faz lembrar um
pouco aquela história de Fritz
Lang, o cineasta alemão, quando
lhe perguntaram se, por acaso,
não gostava de mulheres, já que
suas personagens femininas eram
invariavelmente perversas.
Lang respondeu mais ou menos
o seguinte: "Não é que eu não goste. Existem mulheres que são
bondosas, ótimas pessoas, donas
de casa exemplares. Mas não dão
personagens interessantes".
"Tenha Fé" é a história de dois
rapazes tão retos que não se
aguentam como seres humanos
-ao menos seres humanos interessantes-, mas também não
são santos. São apenas bons rapazes, o que condena o filme à mornice.
Tenha Fé
Keeping the Faith
Direção: Edward Norton
Produção: EUA, 2000
Com: Ben Stiller, Edward Norton, Anne
Bancroft
Quando: a partir de hoje nos cines
Eldorado 1, Extra Anchieta 7 e circuito
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