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São Paulo, segunda-feira, 09 de junho de 2003

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DANÇA/CRÍTICA

Em passagem pelo Brasil, Ballett Frankfurt mostra o que há de mais instigante na arte do movimento

Iwi Onodera/Divulgação
"Enemy in the Figure", apresentada no Teatro Municipal de SP


Mundo vira vertig em com a potên cia de gestos

INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA

Tudo é ordinária e extraordinariamente humano na geometria de formas perfeitamente imperfeitas. Dança, cenário, figurino e música: são coisas novas, aqui; sem paradoxo, são coisas que se sabe desde sempre, sem saber. E isso é pouco para descrever a dança de William Forsythe, apresentada pelo Ballett Frankfurt, no Municipal de São Paulo.
Em "N.N.N.N" (2002), quatro homens se entrelaçam no silêncio, só quebrado por intervenções discretas da música de Thom Willems e pelo barulho dos corpos. Braços, pernas, cabeças e pés decompõem e recompõem figuras humanas, que vão se tornando figuras de sentido. A mais insólita das prosas gera narrativas e mais narrativas, sem trama aparente, sem tema, sem limite, sem fim.
Já "Enemy in the Figure" (de 1989), é um balé não-narrativo, centrado em "visão, percepção; forma e caos". Cada componente da cena ressoa no outro: o biombo ondular, a corda que vibra no chão, os corpos que reverberam em fluxos polifônicos de alta velocidade, a luz que se move. Willems cria um espaço acústico para a dança: antes da cortina subir, soa o guincho eletrônico da música, que anunciará todas as trocas radicais de "cenário-luz".
A luz vira elemento da dança tanto quanto os bailarinos. Regiões de sombra e claridade ocultam e desvelam os corpos. Nada é absolutamente nítido ou obscuro: um casal nas profundezas ou a sombra de alguém que não aparece em cena fazem contraponto à exuberância alucinatória de corpos que se cruzam na luz.
Que os passos do balé clássico estejam tão presentes nesse idioma não tem a ver com paródia; é a língua-mãe, da qual se cria essa outra fantástica fala. Cada parte do corpo é um vetor, que amplifica a potência dos gestos. O mundo vira vertigem, redemoinho. No meio da rua, o diabo (ou que outro deus for): Sang Jijia.
Para fechar a noite, "Quintet" (1993), com música do minimalista Gavin Bryars. Um canto de pregador se repete em "loop"; pouco a pouco entram cordas, teclado, sopros, adensando a textura. Cenário simples: um espelho, um canhão de luz, do qual emana um facho e, no final, a projeção de nuvens em movimento, num canto do fundo. Tudo é escuta, tudo ressonância, nos corpos incrivelmente plásticos de três homens e duas mulheres.
A peça foi criada em homenagem à mulher de Forsythe, que morreu de câncer. Na versão original, os bailarinos aparecem e desaparecem por um alçapão (impossível de reproduzir aqui). Ao contrário do que pode sugerir, não se trata de um réquiem; vida e morte se equilibram. A última cena, com a espanhola Jone San Martin sozinha, enquanto a cortina desce, deixa em aberto a dança e muito mais do que a dança, reverberando na luz e na sombra da vida, do lado de cá.


Ballett Frankfurt
    
Onde: Teatro Municipal do Rio (pça. Floriano, s/nš)
Quando: 12 e 13/6, às 20h30
Quanto: de R$ 30 a R$ 150 (ingressos: tel. 0300-7886486)
Patrocinadores: Nokia, Embratel



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