|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DANÇA/CRÍTICA
Em passagem pelo Brasil, Ballett Frankfurt mostra o que há de mais instigante na arte do movimento
Iwi Onodera/Divulgação
|
"Enemy in the Figure", apresentada no Teatro Municipal de SP |
Mundo vira vertig em com a potên cia de gestos
INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA
Tudo é ordinária e extraordinariamente humano na geometria de formas perfeitamente
imperfeitas. Dança, cenário, figurino e música: são coisas novas,
aqui; sem paradoxo, são coisas
que se sabe desde sempre, sem saber. E isso é pouco para descrever
a dança de William Forsythe,
apresentada pelo Ballett Frankfurt, no Municipal de São Paulo.
Em "N.N.N.N" (2002), quatro
homens se entrelaçam no silêncio, só quebrado por intervenções
discretas da música de Thom Willems e pelo barulho dos corpos.
Braços, pernas, cabeças e pés decompõem e recompõem figuras
humanas, que vão se tornando figuras de sentido. A mais insólita
das prosas gera narrativas e mais
narrativas, sem trama aparente,
sem tema, sem limite, sem fim.
Já "Enemy in the Figure" (de
1989), é um balé não-narrativo,
centrado em "visão, percepção;
forma e caos". Cada componente
da cena ressoa no outro: o biombo ondular, a corda que vibra no
chão, os corpos que reverberam
em fluxos polifônicos de alta velocidade, a luz que se move. Willems cria um espaço acústico para a dança: antes da cortina subir,
soa o guincho eletrônico da música, que anunciará todas as trocas
radicais de "cenário-luz".
A luz vira elemento da dança
tanto quanto os bailarinos. Regiões de sombra e claridade ocultam e desvelam os corpos. Nada é
absolutamente nítido ou obscuro:
um casal nas profundezas ou a
sombra de alguém que não aparece em cena fazem contraponto à
exuberância alucinatória de corpos que se cruzam na luz.
Que os passos do balé clássico
estejam tão presentes nesse idioma não tem a ver com paródia; é a
língua-mãe, da qual se cria essa
outra fantástica fala. Cada parte
do corpo é um vetor, que amplifica a potência dos gestos. O mundo vira vertigem, redemoinho. No
meio da rua, o diabo (ou que outro deus for): Sang Jijia.
Para fechar a noite, "Quintet"
(1993), com música do minimalista Gavin Bryars. Um canto de
pregador se repete em "loop";
pouco a pouco entram cordas, teclado, sopros, adensando a textura. Cenário simples: um espelho,
um canhão de luz, do qual emana
um facho e, no final, a projeção de
nuvens em movimento, num canto do fundo. Tudo é escuta, tudo
ressonância, nos corpos incrivelmente plásticos de três homens e
duas mulheres.
A peça foi criada em homenagem à mulher de Forsythe, que
morreu de câncer. Na versão original, os bailarinos aparecem e
desaparecem por um alçapão
(impossível de reproduzir aqui).
Ao contrário do que pode sugerir,
não se trata de um réquiem; vida
e morte se equilibram. A última
cena, com a espanhola Jone San
Martin sozinha, enquanto a cortina desce, deixa em aberto a dança
e muito mais do que a dança, reverberando na luz e na sombra da
vida, do lado de cá.
Ballett Frankfurt
Onde: Teatro Municipal do Rio (pça.
Floriano, s/nš)
Quando: 12 e 13/6, às 20h30
Quanto: de R$ 30 a R$ 150 (ingressos:
tel. 0300-7886486)
Patrocinadores: Nokia, Embratel
Texto Anterior: Análise: "Mulheres" atualiza o imaginário masculino Próximo Texto: Nelson Ascher: O Watergate do quarto poder Índice
|