|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Pessoa casa psicodelia e surrealismo
Ex-membro dos Titãs, músico lança "Em Dia com a Rebeldia", em que funde rock sessentista e poesia onírica
Letras se passam em cidades imaginárias, onde vivem o "homem cabeça de pêssego" e a "mulher ampulheta"
MARCUS PRETO
DE SÃO PAULO
Em uma das paredes da sala de estar de Ciro Pessoa, 52,
a primeira a ser vista por
quem entra na casa pela porta da frente, ele montou uma
espécie de altar suspenso.
Estão ali, emolduradas, fotografias clássicas de Janis
Joplin, Pink Floyd, Raul Seixas, David Bowie, Jim Morrison, Jimmy Hendrix, Mutantes -todas elas clicadas entre as décadas de 1960 e 1970.
É justamente desse mural
-e quase só dele- que vêm
as referências usadas em
"Em Dia com a Rebeldia", segundo álbum solo do artista.
Pessoa ficou conhecido
por sua contribuição aos Titãs em início de carreira -ele
é coautor de "Sonífera Ilha",
por exemplo. Também é fundador da banda Cabine C.
Seu nome está diretamente ligado, portanto, ao rock
brasileiro dos anos 80. Mas
nada que se ouve no disco
novo vem dessa escola.
A rebeldia do título não é
um quê -é um quem. Trata-se do apelido com que ele
chama a mulher, a designer
Carolina Vicentim, 27 anos e
"completamente ligada à
música dos anos 60".
Há quatro anos, fez a declaração de amor: "Vou gravar um disco pra você e você
vai gostar das 12 faixas. Se
não gostar de uma delas, eu
não lanço". E passou os dois
anos seguintes só ouvindo
rock dos anos 60 e 70.
A sonoridade já estava definida: rock psicodélico. Precisava encontrar o conceito
sob o qual construiria as letras. Assim: racionalmente.
"Sempre fui um artista
conceitual", diz. "Zombo da
franqueza e da sinceridade,
acho artigos arcaicos. Comigo é "estou indo pra lá e é lá
que quero chegar". Arte não é
inspiração, é raciocínio."
SURREALISMO
Influenciado por "O Dicionário de Lugares Imaginários", de Alberto Manguel e
Gianni Guadalupi, escreveu
"Anis", a primeira delas.
O dicionário cataloga cenários irreais em que se passam narrativas clássicas
-como Macondo, lugar inventado por Gabriel García
Márquez no livro "Cem Anos
de Solidão", e a Terra de Oz,
do filme "O Mágico de Oz".
"Anis" se passa em uma cidade assim, que flutua "na linha do horizonte, entre o céu
e o mar, onde a eternidade
mora e se entretém".
"Quando vi a pegada psicodélica musical interagindo
com essa letra que se situa na
fronteira do sonho, pensei
comigo: a psicodelia quer conhecer o surrealismo -mais:
quer se casar com ele."
E havia de ser o próprio
Pessoa o padre e o juiz do casamento. Nasceram assim o
"homem cabeça de pêssego", a "mulher ampulheta",
o "sol que brilha à noite"
-todas registradas no disco.
O som, ele afirma, preza
pela "pureza". "Não sou tropicalista, não misturo nada.
A mistura despotencializa,
dilui", diz. "Como penso assim, meu procedimento alquímico é o seguinte: rock +
rock = rock. E o rock é, sim,
uma estética brasileira."
Texto Anterior: Conexão Pop - Thiago Ney: Chemical Brothers e Strokes Próximo Texto: Crítica/Rock: Obsessão por cores é cantada em rock direto e viajante Índice
|