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TELEVISÃO
Estréia da minissérie da Rede Globo não apresenta cenas picantes e mostra valores que não convencem mais
Anita marca presença somente no final
ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
Anita só manifestou sua presença nos últimos minutos
do primeiro capítulo da nova minissérie produzida e exibida anteontem pela Rede Globo, "Presença de Anita".
Nada das cenas picantes, anunciadas como chamariz para a
adaptação televisiva da história de
Mário Donato.
O capítulo de estréia foi dedicado a uma longa introdução sobre o tédio da vida em família, mais
parecida com uma versão condensada de uma novela das oito
do que com a pretendida versão
popular e seriada de uma história
de sedução que lembraria a Lolita
de Nabokov.
As oposições convencionais de
gênero, geração e classe apareceram mais do que a prometida
transgressão. A boa madrasta que
não consegue evitar os conflitos
com a enteada adolescente. A crise conjugal motivada pela crise existencial dele. A inveja fraternal.
Os preconceitos do velho pai e
avô careta.
Na falta do tempo esticado da
novela, os conflitos aparecem
crus, pouco sutis. Personagens recorrem a classificações quase sociológicas, empregando termos
como "machista" e "racista", para
caracterizar o conservadorismo
de membros da família interiorana, que, por sua vez, atacam e se defendem com grosseria.
Adaptações, um pouco como
traduções, sempre implicam uma
certa dose de recriação. A opção
por trazer a narrativa, publicada
em 1948, para o presente representa um desvio em relação às últimas minisséries, como "Aquarela do Brasil" ou "Os Maias", histórias de época, romanticamente
ambientadas em tempos e espaços remotos.
Mas, no presente, valores supostamente reconhecidos como
positivos ou negativos de antemão, na época da publicação do
original, e talvez até recentemente, já não convencem.
Em tempos em que a cidade
grande já não apresenta aquele
glamour inquestionável, que as
novelas mesmas ajudaram a divulgar, e em que novas tecnologias facilitam o acesso a informações, a tensão entre os personagens metropolitanos, afeitos à vida cultural que só a cidade grande
seria capaz de oferecer, e o isolamento da situação rural soa defasada.
O cenário da minissérie "Presença de Anita" é a São Paulo de
hoje. Pontos badalados da cidade
emprestam legitimidade à locação. O Spot, conhecido restaurante paulistano, aparece como ponto de encontro dos personagens
amigos arquitetos, e a rua Oscar
Freire, alguns quarteirões na direção oeste, movimentada "praia"
dos Jardins, é identificada como
cenário da primeira sequência do
programa: um violento tiroteio.
Climas contraditórios ameaçam
uma verossimilhança frágil.
O apelo potencial da presença
de Anita é diferente disso. Anita é
paixão, sedução, criação, ausência
de explicação. A relação amorosa
de Nando (José Mayer) e Anita
(Mel Lisboa) promete a fantasia.
Anita é o contrário da convenção,
é a relação total, o estímulo à imaginação.
Essa aventura, em um seriado
de poucos capítulos, dispensa a
oposição didática e linear à vida
cotidiana de uma família de classe
média alta, retratada convencionalmente todos os dias pela televisão.
A atualização da trama pede
que se descarte a mesmice da fofoca de todo dia e se restabeleça o
risco do mergulho no desconhecido -com todos os medos que ele
desperta.
A presença de Anita nos últimos
minutos do capítulo de estréia
trouxe um alento com um pouco
desse apelo.
A inconstância da grade de programação da emissora, que hoje
exibe o programa mais tarde, depois do futebol, deve prejudicar a audiência.
Avaliação:
Esther Hamburger é antropóloga e
professora na Escola de Comunicações e
Artes da USP
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