São Paulo, quinta-feira, 09 de agosto de 2001

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TELEVISÃO

Estréia da minissérie da Rede Globo não apresenta cenas picantes e mostra valores que não convencem mais

Anita marca presença somente no final

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Anita só manifestou sua presença nos últimos minutos do primeiro capítulo da nova minissérie produzida e exibida anteontem pela Rede Globo, "Presença de Anita".
Nada das cenas picantes, anunciadas como chamariz para a adaptação televisiva da história de Mário Donato.
O capítulo de estréia foi dedicado a uma longa introdução sobre o tédio da vida em família, mais parecida com uma versão condensada de uma novela das oito do que com a pretendida versão popular e seriada de uma história de sedução que lembraria a Lolita de Nabokov.
As oposições convencionais de gênero, geração e classe apareceram mais do que a prometida transgressão. A boa madrasta que não consegue evitar os conflitos com a enteada adolescente. A crise conjugal motivada pela crise existencial dele. A inveja fraternal. Os preconceitos do velho pai e avô careta.
Na falta do tempo esticado da novela, os conflitos aparecem crus, pouco sutis. Personagens recorrem a classificações quase sociológicas, empregando termos como "machista" e "racista", para caracterizar o conservadorismo de membros da família interiorana, que, por sua vez, atacam e se defendem com grosseria.
Adaptações, um pouco como traduções, sempre implicam uma certa dose de recriação. A opção por trazer a narrativa, publicada em 1948, para o presente representa um desvio em relação às últimas minisséries, como "Aquarela do Brasil" ou "Os Maias", histórias de época, romanticamente ambientadas em tempos e espaços remotos.
Mas, no presente, valores supostamente reconhecidos como positivos ou negativos de antemão, na época da publicação do original, e talvez até recentemente, já não convencem.
Em tempos em que a cidade grande já não apresenta aquele glamour inquestionável, que as novelas mesmas ajudaram a divulgar, e em que novas tecnologias facilitam o acesso a informações, a tensão entre os personagens metropolitanos, afeitos à vida cultural que só a cidade grande seria capaz de oferecer, e o isolamento da situação rural soa defasada.
O cenário da minissérie "Presença de Anita" é a São Paulo de hoje. Pontos badalados da cidade emprestam legitimidade à locação. O Spot, conhecido restaurante paulistano, aparece como ponto de encontro dos personagens amigos arquitetos, e a rua Oscar Freire, alguns quarteirões na direção oeste, movimentada "praia" dos Jardins, é identificada como cenário da primeira sequência do programa: um violento tiroteio. Climas contraditórios ameaçam uma verossimilhança frágil.
O apelo potencial da presença de Anita é diferente disso. Anita é paixão, sedução, criação, ausência de explicação. A relação amorosa de Nando (José Mayer) e Anita (Mel Lisboa) promete a fantasia. Anita é o contrário da convenção, é a relação total, o estímulo à imaginação.
Essa aventura, em um seriado de poucos capítulos, dispensa a oposição didática e linear à vida cotidiana de uma família de classe média alta, retratada convencionalmente todos os dias pela televisão.
A atualização da trama pede que se descarte a mesmice da fofoca de todo dia e se restabeleça o risco do mergulho no desconhecido -com todos os medos que ele desperta.
A presença de Anita nos últimos minutos do capítulo de estréia trouxe um alento com um pouco desse apelo.
A inconstância da grade de programação da emissora, que hoje exibe o programa mais tarde, depois do futebol, deve prejudicar a audiência.


Avaliação:   

Esther Hamburger é antropóloga e professora na Escola de Comunicações e Artes da USP


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