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CINEMA
Em "Redentor", de Cláudio Torres, imagem religiosa evoca situação "explosiva" da cidade que "condensa ricos e pobres"
Cristo é o olho que vê o caos social no Rio
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
De braços abertos como num
(anti)cartão postal, o Cristo observa impassível a ruína do jornalista Célio Rocha (Pedro Cardoso), as falcatruas do empresário
da construção civil Otávio Sabóia
(Miguel Falabella) e as incontáveis vezes em que os caminhos de
ambos cruzam e descruzam, da
infância à maturidade. Em "Redentor", filme de Cláudio Torres
que estréia amanhã, Jesus Cristo é
apenas uma estátua.
Neste primeiro longa dirigido
por Torres -filho do casal de atores Fernanda Montenegro e Fernando Torres, presentes no elenco, e pais também de Fernanda
Torres, que co-assina o roteiro
com o irmão cineasta-, a evocação da imagem religiosa símbolo
do Rio de Janeiro tem mais a ver
com a cidade e menos com ritos
de fé. Muito embora o personagem de Cardoso vivencie um surto místico a certa altura da trama.
"Meu campo de interesse foi o
caos social brasileiro", diz Torres.
"E esse caos social está mais perto
de ser explosivo no Rio de Janeiro,
onde rico, pobre e classe média
moram condensados num mesmo bairro, do que em qualquer
outra parte do país", afirma.
O diretor concluiu que esse era
o seu "campo de interesse", quando se fez, "pela primeira vez, a
pergunta que é eterna na vida de
um cineasta: que filme quero fazer?". Era 1998 e Torres havia dirigido o episódio "Diabólica" do filme-cartão-de-visitas "Traição",
que amarra também seqüências
de Arthur Fontes e José Henrique
Fonseca, todos amigos e sócios na
produtora Conspiração Filmes.
Classe média
Além de definir-se pelo tema do
caos social brasileiro, Torres decidiu que o abordaria a partir da sua
"situação como cidadão", ou seja,
do ponto de vista da classe média,
cujos medos e anseios cita: "O
medo da classe média é empobrecer, virar favelado. Ou que a favela
desça e tome o seu lugar. O anseio
da classe média é ficar rica. Achei
que o protagonista deveria sofrer
o tipo de pressão que eu sofro".
As pressões a que Célio Rocha
está submetido são de ordem profissional, financeira e familiar
-ou éticas, morais e afetivas.
Ele é ameaçado de demissão no
jornal em que trabalha quando se
recusa a entrevistar Sabóia, o ex-amigo de infância cujo pai acaba
de se suicidar, legando ao filho
um império falido de empreendimentos imobiliários. Entre as
obras inacabadas da família Sabóia, está o condomínio em que o
pai de Célio enterrou as economias e o sonho da casa própria.
Eternamente "duro" de grana,
Célio mora com os pais, de favor
na casa de uma tia, para a qual se
muda a prima (Guta Stresser)
grávida, com filhos pequenos e
um histórico de brigas com o marido que caminha da violência
verbal para a agressão física.
E eis que "Redentor" põe sob o
mesmo teto Bebel e Agostinho
(personagens de Stresser e Cardoso na série global "A Grande Família"), no que parece ser uma
brincadeira e um desafio de Torres a olhá-los de outro ângulo.
"Ter escolhido o Pedro [Cardoso] para interpretar o protagonista faz com que você não tenha pena do Célio, que ele seja um personagem algo patético, porque a
classe média brasileira tem um
pouco de patético, mas que trafega entre a inocência e a culpa. Isso
ocorre por algo que Pedro tem
dentro dele, que tem a ver com
Chaplin, com clown, com uma
dramaturgia teatral", diz Torres.
Louro alto
A escolha de Falabella para viver
o empresário inescrupuloso é um
convite a desvendar "o que existe
por trás do louro alto". Diz o diretor: "Miguel [Falabella] é a personificação do vilão. Mas sei, porque o vejo no teatro há 20 anos, o
ator que ele é. Existe uma atração
em você mostrar o Miguel como
um vilão e ele ser humano, não ser
a superfície do Caco Antibes [personagem do ator no extinto programa "Sai de Baixo", da Globo]".
Cinéfilo amante da "montanha
russa do cinema", que gosta de
"ser levado para Marte e cuspido
de lá quando termina o filme",
Torres dirigiu "Redentor" procurando expor seu tema de "uma
maneira que não fosse panfletária" e com uma forma "dinâmica,
com ritmo, momentos oníricos e
de explosão cinematográfica".
Fez, enfim, "uma aposta numa
diversão cinematográfica com algum nível de reflexão social". Um
filme que "pega ou não pega" o
espectador. A partir de amanhã, é
pegar ou largar.
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