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"HOJE É DIA DE MARIA"
Veículo precisa assumir riscos e realizar mais experimentações, defende Luiz Fernando Carvalho
"TV deve ir além do comercial de sabonete"
DA ENVIADA AO RIO
A estréia da segunda temporada de "Hoje É Dia de Maria", dirigida por Luiz Fernando Carvalho,
45, é ocasião propícia para indagar sobre as possibilidades da autoria na TV. Não a autoria clássica, hoje problemática, mas a colaborativa, função de um equilíbrio
instável entre forças e pressões.
O diretor, que tem formação em
arquitetura, atua no cinema e na
televisão. Alguns de seus principais trabalhos -como a novela
"Renascer", a minissérie "Os
Maias" e o filme "Lavoura Arcaica"- revelam uma preferência
por adaptações literárias.
Entre o ânimo com os resultados que começam a se delinear e a
consciência da dificuldade que é
conquistar espaços e recursos para produções diferenciadas em
uma época marcada pelo que denomina a "ditadura do mercado",
o diretor expressou, nesta entrevista, um desafio para quem faz
TV hoje: "Pensar uma TV que ultrapasse a idéia de eletrodoméstico que vende sabonete". A proposta é a de uma TV ligada à educação, não em uma perspectiva
didática convencional, mas pela
fabulação. Utopia?
(ESTHER HAMBURGER)
Folha - Existe uma linguagem televisiva?
Luiz Fernando Carvalho - Eu
acho que ela é realmente fruto de
um amálgama de várias linguagens. Ela está mudando minuto a
minuto hoje. Como se desfazer
dos clichês -a decupagem óbvia,
a câmera 1 corta para a câmera 2,
corta para a câmera 3. O sujeito
chega a uma casa, vai tocar a campainha, detalhe da campainha,
aparece o dedão do cara lá. Isso é
tedioso. Há um padrão de produção que garante que a coisa saia,
mesmo que o diretor não tenha
nenhuma inquietação pessoal.
Esse padrão é antigo, de 30 anos
atrás. Está superado. A TV precisa
de uma parcela mínima de risco e
experimentação, senão vai ficar
andando a reboque de tudo.
Folha - Como vê o trabalho na televisão e no cinema?
Carvalho - Procuro trabalhar nos
dois meios com a mesma tônica
autoral. Não nego o espetáculo.
Busco me colocar e estabelecer
um diálogo sincero com o público. As investidas da TV de querer
fazer subproduto de cinema são
uma bobagem. Tipo "Cidade de
Deus", de pegar os meninos e fazer seriado na TV, é uma bobagem. É a televisão a reboque de algo que já foi feito.
Folha - A TV já foi mais inovadora
do que é hoje?
Carvalho - A ditadura militar impôs limites éticos e estéticos. Hoje
a TV não está mais sujeita a esses
compromissos. Hoje a abrangência da TV pode se tornar uma alavanca estética num sentido amplo, pode ser o carro-chefe de
uma real democratização de conteúdos. Você tem a população naturalmente voltada à TV e à Globo. Você não pode decepcionar
esse anseio. A TV precisa abraçar
a missão de formar cidadãos.
Folha - Mas será que se fazia mais
no tempo da ditadura, sob pressão,
do que agora?
Carvalho - É porque a TV agora
está sob a "ditadura do mercado".
Ela tem que inverter esse paradigma. Ela é que tem que ditar as leis
do mercado. Onde está a criatividade? Há uma produção riquíssima de literatura, de atores, de grupos de teatro no país inteiro. Por
que não privilegiar esse enorme
potencial, por que usar sempre os
mesmos autores e caras?
Folha - Qual seu próximo projeto?
Carvalho - Ele se chama "Quadrante". A idéia é fazer uma pesquisa Estado por Estado para escolher um texto de um autor contemporâneo. O projeto é levar essa equipe criativa de "Hoje É Dia
de Maria" para trabalhar com artesãos, técnicos e atores locais.
Folha - Essa interação do local e
não-local pode ser interessante...
Carvalho - Já estou trabalhando
nos quatro primeiros textos. São
contos inéditos de Milton Hatoum, de Manaus, Ronaldo Correia de Brito, do Ceará, autor de
"Faca". No Rio, tem o João Paulo
Cuenca, que é um garoto de blog,
com uma linguagem incrível. Faz
uma literatura caleidoscópica sobre Copacabana. No Rio Grande
do Sul, estamos trabalhando com
Sérgio Faraco.
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