São Paulo, domingo, 09 de outubro de 2005

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"HOJE É DIA DE MARIA"

Veículo precisa assumir riscos e realizar mais experimentações, defende Luiz Fernando Carvalho

"TV deve ir além do comercial de sabonete"

DA ENVIADA AO RIO

A estréia da segunda temporada de "Hoje É Dia de Maria", dirigida por Luiz Fernando Carvalho, 45, é ocasião propícia para indagar sobre as possibilidades da autoria na TV. Não a autoria clássica, hoje problemática, mas a colaborativa, função de um equilíbrio instável entre forças e pressões.
O diretor, que tem formação em arquitetura, atua no cinema e na televisão. Alguns de seus principais trabalhos -como a novela "Renascer", a minissérie "Os Maias" e o filme "Lavoura Arcaica"- revelam uma preferência por adaptações literárias.
Entre o ânimo com os resultados que começam a se delinear e a consciência da dificuldade que é conquistar espaços e recursos para produções diferenciadas em uma época marcada pelo que denomina a "ditadura do mercado", o diretor expressou, nesta entrevista, um desafio para quem faz TV hoje: "Pensar uma TV que ultrapasse a idéia de eletrodoméstico que vende sabonete". A proposta é a de uma TV ligada à educação, não em uma perspectiva didática convencional, mas pela fabulação. Utopia? (ESTHER HAMBURGER)

Folha - Existe uma linguagem televisiva?
Luiz Fernando Carvalho -
Eu acho que ela é realmente fruto de um amálgama de várias linguagens. Ela está mudando minuto a minuto hoje. Como se desfazer dos clichês -a decupagem óbvia, a câmera 1 corta para a câmera 2, corta para a câmera 3. O sujeito chega a uma casa, vai tocar a campainha, detalhe da campainha, aparece o dedão do cara lá. Isso é tedioso. Há um padrão de produção que garante que a coisa saia, mesmo que o diretor não tenha nenhuma inquietação pessoal. Esse padrão é antigo, de 30 anos atrás. Está superado. A TV precisa de uma parcela mínima de risco e experimentação, senão vai ficar andando a reboque de tudo.

Folha - Como vê o trabalho na televisão e no cinema?
Carvalho -
Procuro trabalhar nos dois meios com a mesma tônica autoral. Não nego o espetáculo. Busco me colocar e estabelecer um diálogo sincero com o público. As investidas da TV de querer fazer subproduto de cinema são uma bobagem. Tipo "Cidade de Deus", de pegar os meninos e fazer seriado na TV, é uma bobagem. É a televisão a reboque de algo que já foi feito.

Folha - A TV já foi mais inovadora do que é hoje?
Carvalho -
A ditadura militar impôs limites éticos e estéticos. Hoje a TV não está mais sujeita a esses compromissos. Hoje a abrangência da TV pode se tornar uma alavanca estética num sentido amplo, pode ser o carro-chefe de uma real democratização de conteúdos. Você tem a população naturalmente voltada à TV e à Globo. Você não pode decepcionar esse anseio. A TV precisa abraçar a missão de formar cidadãos.

Folha - Mas será que se fazia mais no tempo da ditadura, sob pressão, do que agora?
Carvalho -
É porque a TV agora está sob a "ditadura do mercado". Ela tem que inverter esse paradigma. Ela é que tem que ditar as leis do mercado. Onde está a criatividade? Há uma produção riquíssima de literatura, de atores, de grupos de teatro no país inteiro. Por que não privilegiar esse enorme potencial, por que usar sempre os mesmos autores e caras?

Folha - Qual seu próximo projeto?
Carvalho -
Ele se chama "Quadrante". A idéia é fazer uma pesquisa Estado por Estado para escolher um texto de um autor contemporâneo. O projeto é levar essa equipe criativa de "Hoje É Dia de Maria" para trabalhar com artesãos, técnicos e atores locais.

Folha - Essa interação do local e não-local pode ser interessante...
Carvalho -
Já estou trabalhando nos quatro primeiros textos. São contos inéditos de Milton Hatoum, de Manaus, Ronaldo Correia de Brito, do Ceará, autor de "Faca". No Rio, tem o João Paulo Cuenca, que é um garoto de blog, com uma linguagem incrível. Faz uma literatura caleidoscópica sobre Copacabana. No Rio Grande do Sul, estamos trabalhando com Sérgio Faraco.

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