São Paulo, sábado, 09 de novembro de 2002

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"A PONTE E A ÁGUA DA PISCINA"

Villela se reconcilia com a delicadeza

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Com "A Ponte e a Água da Piscina", Gabriel Villela se reconcilia com a delicadeza. Isso não significa que tenha se tornado sutil: ainda usa despudoradamente o kitsch para desarticular texto e peça, ostenta o artificialismo da marca e encoraja os atores ao autodeboche, como se encenasse uma encenação, em ambígua homenagem ao teatro-circo.
Desta vez, porém, Villela compartilha a assinatura da peça. Suas intervenções não ofuscam o texto de Alcides Nogueira, que, em vez de servir de mero pretexto para associações, se presta bem às desconstruções do encenador e não subjuga os atores, seus cúmplices.
Trata-se de uma fábula simples e aberta, na qual mãe castradora disputa amante com filha. Fazendo pensar no expressionismo de Ghelderode, em seu universo onírico todos são loucos confinados, se reinventando no sagrado e se deleitando na morbidez de incesto e profanação, enquanto a guerra e a seca destróem o mundo.
Chavões de melodrama e uma retórica cheia de símbolos são desautorizados por intervenções que beiram o pueril, como a utilização da web enquanto instrumento mágico -e esse lúdico e sacro faz-de-conta remete, como assinala bem a cenografia de Serroni, a Arthur Bispo do Rosário.
Para funcionar, é preciso atores seguros e com humor e isso não falta ao elenco. Walderez de Barros tem larga experiência para poder brincar de representar, apontando os gestos do melodrama para depois ressurgir como atriz, brincando com o sotaque mineiro de Villela, sem reivindicar a sua falsa ingenuidade. Com um deboche minimalista, tira de letra a complexa Sóror Justina, mãe, freira, ex-puta, megera apaixonada, delirante diretora do manicômio.
O lírico, em contraponto, é garantido por Cláudio Fontana. Com simplicidade e grande limpeza de gestos, transforma o delírio do arquetípico príncipe salvador em depoimento sincero e de emoção contida. Vera Zimmermann, a partir de uma voz de boneca e trejeitos de ingênua, consegue passar nas entrelinhas seu abandono e amor: finge a dor que deveras sente. Nábia Villela vive uma aposta arriscada de ser a trilha personificada e sua bela voz garante encantamento.
Contido, Villela não se dilui. A delicadeza da montagem faz com que se veja com mais clareza sua proposta, que costumava transbordar e sufocar o espetáculo. Às vezes gira em falso, se desautoriza sem estabelecer antes um nexo claro, mas surge enquanto um esboço essencial, que pode preparar, tomara, uma nova fase.

A Ponte e a Água de Piscina


   
Direção: Gabriel Villela
Onde: CCBB - teatro (r. Álvares Penteado, 112, tel. 0/xx/11/3113-3651)
Quando: qui. a dom.: 19h30; até 15/12
Quanto: R$ 15



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