São Paulo, quinta-feira, 09 de novembro de 2006

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NINA HORTA

Umami, o caçula dos sabores

Tudo começou quando um cientista isolou no kombu o sabor que tanto agradava aos japoneses

NO LIVRO "Deve Ter Sido Alguma Coisa que Eu Comi", de Jeffrey Steingarten, o escritor vai atrás de supostas doenças causadas por comida. Ele acha que americano adora inventar moda sem fundamento e tenta demolir todas, com muita verve e conhecimento de causa. Em um dos capítulos, investe contra a síndrome-do-restaurante-chinês, que atinge muita gente depois de uma refeição. Sentem dor de cabeça, coração disparado. O culpado da vez é o Ajinomoto.
Um dia, na China, Steingarten teve uma iluminação. Por que o chinês não têm enxaqueca e nós temos, se o tempero, na sua forma natural, é usado desde 800 a.C. e nunca causou alergia a ninguém? O que é o Ajinomoto? É o gosto ativo, isolado da alga (kombu), usada para fazer o caldo (dashi), misturada a flocos do peixe seco bonito... E o nome deste gosto?
Glutamato de sódio. (Fui procurar mais. Na revista "Gastronomica"). Tudo começou quando lá por 1910, um cientista, Ikeda Kokunae, do Japão, isolou no kombu o sabor que tanto agradava aos japoneses.
Ikeda era treinado na Alemanha, centro de química orgânica da época, e, com seus colegas, queria descobrir uma fonte de nutrição barata e que pudesse servir às massas e ser industrializada. Deu o nome de umami (gostosura) ao produto que saiu de seu laboratório e que foi rapidamente patenteado no Japão, EUA, Inglaterra e França como Ajinomoto.
Os japoneses educados veneravam a ciência e as técnicas modernas. O que fazer, então? A propaganda se dirigiu para as mulheres esclarecidas que tentavam levar sozinhas suas cozinhas, baseadas numa nutrição eficiente e científica. O Ajinomoto foi colocado em vidros bonitos, e a propaganda mostrava cozinhas que mais pareciam laboratórios, sobre fundo de fábricas, chaminés, fumaça, luz elétrica azul. Em 1931, já estava na mesa do Imperador, utilizado pelos próprios convivas. Daí para o Japão inteiro foi um passo.
Na China, a história foi diferente Os restaurantes de Taiwan, com seus milhares de estandes de comida de rua, estavam loucos (sem saber que estavam) por um ingrediente prático que substituísse toda a trabalheira de catar alga e raspar peixe duro. Pegaram o Ajinomoto, puseram nele um rótulo azul e dourado, símbolo do paraíso e dos deuses, batizaram-no de "dedo de Buda" e basearam a propaganda sobre a idéia de que era um ingrediente vegetariano, pois feito de trigo. Foi um sucesso.
E os americanos? Solo fértil, como sempre. Em 1941, já compravam mais Ajinomoto do que o Japão todo, o principal cliente sendo as sopas Campbell. (Tudo ajudado pela diáspora chinesa e a proliferação de restaurantes chineses nos EUA.)
E aí chegaram os anos 60. Tudo tinha que ser natural! Um baque. Abaixo pesticidas, aditivos e conservantes. Muito malvistos. E, além de tudo, a síndrome do restaurante chinês para ajudar. Em 1970, a Ajinomoto já estava em baixa e resolveram diversificar a produção inventando outros alimentos industrializados. O Ajinomoto teve que passar por uma outra campanha para mudar a imagem. Voltaram ao nome umami (É o amor!!!) mais associado a afetos e à natureza.
Nas propagandas dos anos 70 via-se o mar com todos os seus peixinhos, a origem da vida, o sol brilhando, campos verdes, crianças saudáveis. Ikeda havia proposto o umami como o quinto gosto, além do doce, salgado, amargo e azedo. Em 2000, várias pesquisas indicaram um grupo de moléculas da língua que reage ao estímulo do glutamato de sódio.
(Alguns cientistas não aceitam esta teoria de sabores básicos, outros sim.) Pois o tempero pegou de novo.
A lição a se tirar é que nosso paladar é formado pela história. Também. O Ajinomoto, pelo menos, acompanhou os caminhos da história da sociedade do século 20.


ninahorta@uol.com.br

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