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NINA HORTA
Umami, o caçula dos sabores
Tudo começou quando um cientista isolou no kombu o sabor que tanto agradava aos japoneses
NO LIVRO "Deve Ter Sido Alguma Coisa que Eu Comi", de
Jeffrey Steingarten, o escritor vai atrás de supostas doenças
causadas por comida. Ele acha que
americano adora inventar moda
sem fundamento e tenta demolir todas, com muita verve e conhecimento de causa. Em um dos capítulos,
investe contra a síndrome-do-restaurante-chinês, que atinge muita
gente depois de uma refeição. Sentem dor de cabeça, coração disparado. O culpado da vez é o Ajinomoto.
Um dia, na China, Steingarten teve uma iluminação. Por que o chinês
não têm enxaqueca e nós temos, se o
tempero, na sua forma natural, é
usado desde 800 a.C. e nunca causou
alergia a ninguém? O que é o Ajinomoto? É o gosto ativo, isolado da alga (kombu), usada para fazer o caldo
(dashi), misturada a flocos do peixe
seco bonito... E o nome deste gosto?
Glutamato de sódio.
(Fui procurar mais. Na revista
"Gastronomica"). Tudo começou
quando lá por 1910, um cientista,
Ikeda Kokunae, do Japão, isolou no
kombu o sabor que tanto agradava
aos japoneses.
Ikeda era treinado na Alemanha,
centro de química orgânica da época, e, com seus colegas, queria descobrir uma fonte de nutrição barata e
que pudesse servir às massas e ser
industrializada. Deu o nome de
umami (gostosura) ao produto que
saiu de seu laboratório e que foi rapidamente patenteado no Japão,
EUA, Inglaterra e França como Ajinomoto.
Os japoneses educados veneravam a ciência e as técnicas modernas. O que fazer, então? A propaganda se dirigiu para as mulheres esclarecidas que tentavam levar sozinhas
suas cozinhas, baseadas numa nutrição eficiente e científica. O Ajinomoto foi colocado em vidros bonitos, e a propaganda mostrava cozinhas que mais pareciam laboratórios, sobre fundo de fábricas, chaminés, fumaça, luz elétrica azul.
Em 1931, já estava na mesa do Imperador, utilizado pelos próprios
convivas. Daí para o Japão inteiro
foi um passo.
Na China, a história foi diferente
Os restaurantes de Taiwan, com
seus milhares de estandes de comida de rua, estavam loucos (sem saber que estavam) por um ingrediente prático que substituísse toda a
trabalheira de catar alga e raspar
peixe duro. Pegaram o Ajinomoto,
puseram nele um rótulo azul e dourado, símbolo do paraíso e dos deuses, batizaram-no de "dedo de Buda"
e basearam a propaganda sobre a
idéia de que era um ingrediente vegetariano, pois feito de trigo. Foi um
sucesso.
E os americanos? Solo fértil, como
sempre. Em 1941, já compravam
mais Ajinomoto do que o Japão todo, o principal cliente sendo as sopas
Campbell. (Tudo ajudado pela diáspora chinesa e a proliferação de restaurantes chineses nos EUA.)
E aí chegaram os anos 60. Tudo tinha que ser natural! Um baque.
Abaixo pesticidas, aditivos e conservantes. Muito malvistos. E, além de
tudo, a síndrome do restaurante chinês para ajudar. Em 1970, a Ajinomoto já estava em baixa e resolveram diversificar a produção inventando outros alimentos industrializados. O Ajinomoto teve que passar
por uma outra campanha para mudar a imagem. Voltaram ao nome
umami (É o amor!!!) mais associado
a afetos e à natureza.
Nas propagandas dos anos 70 via-se o mar com todos os seus peixinhos, a origem da vida, o sol brilhando, campos verdes, crianças saudáveis. Ikeda havia proposto o umami
como o quinto gosto, além do doce,
salgado, amargo e azedo. Em 2000,
várias pesquisas indicaram um grupo de moléculas da língua que reage
ao estímulo do glutamato de sódio.
(Alguns cientistas não aceitam esta
teoria de sabores básicos, outros
sim.) Pois o tempero pegou de novo.
A lição a se tirar é que nosso paladar
é formado pela história. Também. O
Ajinomoto, pelo menos, acompanhou os caminhos da história da sociedade do século 20.
ninahorta@uol.com.br
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