|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Crítica/"Antes Só do que Mal Casado"
Irmãos Farrelly levam seu humor amoral ao casamento
Novo longa dos diretores de "Quem Vai Ficar com Mary?" confirma talento da dupla
PAULO SANTOS LIMA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Logo no começo de "Antes Só do que Mal Casado", Eddie Cantrow
(Ben Stiller) vai ao casamento
da ex-namorada. A mesa na
qual o colocam só tem crianças
e pré-adolescentes.
O motivo é claro: esta é a restrita mesa dos solteirões da festa. Uma segregação e tanto, e
que confirma o matrimônio como uma situação natural, enquanto a solteirice é vista como
uma anomalia. Só em princípio,
pois Eddie e o filme -assinado
pelos irmãos Farrelly- afirmam que a disfunção está em
tudo, sobretudo nesse pesadelo
prisional chamado vida a dois.
Eddie, agrisalhado, não se casou porque, muito sincero e ético, detectou diferenças meio
cruciais com suas mulheres, e
todos sabem que o casamento é
um dos maiores exercícios de
engolição de sapos.
Até que ele conhece Lila
(Malin Akerman), uma loira
sensacional -em um impulso
apaixonado, eles se casam após
seis semanas de namoro.
Contudo, a viagem de lua-de-mel será reveladora. Não bastasse ir até o México sob cantoria esganiçada da moça, as coisas lá serão bastante piores: da
típica histeria feminina, frescurinhas mil, a um desvio de septo que a faz devolver sólidos e
líquidos pelo nariz e um sexo
que exige mais esgrima que entrosamento corporal, ficará
claro que o casamento foi a
mais ignóbil ação de Eddie.
Mas nessa mesma viagem ele
se apaixona por Miranda (Michelle Monaghan), e os santos
batem. Eddie terá de remodelar
suas éticas, fazer grandes malabarismos, mentir para as duas
mulheres, e, por amor, a horas
tantas, apenas poderá avançar
na sua conquista na base do
blefe.
Assim, se o casamento é uma
perda da liberdade e da verdade, não será ele então a grande
disfunção? O filme dirá que
sim, mas não o deslegitima com
isso, porque no cinema dos
Farrelly o que prevalece é a
multiplicidade. As diferenças
são agregadas, todos ganham o
mesmo espaço e tempo na tela,
tornam-se iguais.
Por isso, o humor sempre é
feito democraticamente em cima de todos, de aleijados a galãs, de loiras imbecis a vilões,
entre piadas diversas, das mais
cerebrais às mais gosmentas.
É uma abordagem um tanto
amoral dos Farrelly, até por
lhes dar imagem sem julgá-los,
o que torna possível a utopia da
igualdade, ou melhor, da convivência das diferenças, porque
todos são seres humanos em
atos igualmente humanos.
Tal complexidade traduz-se
numa comédia que, fundida ao
drama, tocando em temas que
pouca gente quer ver na tela,
usa toda a sorte de recursos cinematográficos, em "gags" visuais e diálogos afinadíssimos,
como só Jerry Lewis e alguns
outros faziam.
Se não é o melhor título da
dupla, "Antes Só do que Mal
Casado" tem momentos sublimes (como um zoom, irônico,
na tarja preta que esconde o nu
frontal de Lila). E confirma que
os Farrelly ainda são os que fazem a comédia de ponta no cinema americano atual, longe
do moralismo de Judd Apatow,
o nome que está sendo incensado do momento.
ANTES SÓ DO QUE MAL CASADO
Direção: Bobby Farrelly e Peter Farrelly
Produção: EUA, 2007
Com: Ben Stiller, Michelle Monaghan, Malin Akerman
Quando: em cartaz nos cines Eldorado, Iguatemi Cinemark e circuito
Avaliação: ótimo
Texto Anterior: Cinema/estréias - Crítica/"Planeta Terror": Horror tolo de Rodriguez rende dois ou três risos amarelos Próximo Texto: Crítica/"Leões e Cordeiros": Esquematismo e tom professoral minam filme de Robert Redford Índice
|