São Paulo, sexta-feira, 09 de novembro de 2007

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Crítica/"Antes Só do que Mal Casado"

Irmãos Farrelly levam seu humor amoral ao casamento

Novo longa dos diretores de "Quem Vai Ficar com Mary?" confirma talento da dupla

PAULO SANTOS LIMA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Logo no começo de "Antes Só do que Mal Casado", Eddie Cantrow (Ben Stiller) vai ao casamento da ex-namorada. A mesa na qual o colocam só tem crianças e pré-adolescentes.
O motivo é claro: esta é a restrita mesa dos solteirões da festa. Uma segregação e tanto, e que confirma o matrimônio como uma situação natural, enquanto a solteirice é vista como uma anomalia. Só em princípio, pois Eddie e o filme -assinado pelos irmãos Farrelly- afirmam que a disfunção está em tudo, sobretudo nesse pesadelo prisional chamado vida a dois.
Eddie, agrisalhado, não se casou porque, muito sincero e ético, detectou diferenças meio cruciais com suas mulheres, e todos sabem que o casamento é um dos maiores exercícios de engolição de sapos.
Até que ele conhece Lila (Malin Akerman), uma loira sensacional -em um impulso apaixonado, eles se casam após seis semanas de namoro.
Contudo, a viagem de lua-de-mel será reveladora. Não bastasse ir até o México sob cantoria esganiçada da moça, as coisas lá serão bastante piores: da típica histeria feminina, frescurinhas mil, a um desvio de septo que a faz devolver sólidos e líquidos pelo nariz e um sexo que exige mais esgrima que entrosamento corporal, ficará claro que o casamento foi a mais ignóbil ação de Eddie.
Mas nessa mesma viagem ele se apaixona por Miranda (Michelle Monaghan), e os santos batem. Eddie terá de remodelar suas éticas, fazer grandes malabarismos, mentir para as duas mulheres, e, por amor, a horas tantas, apenas poderá avançar na sua conquista na base do blefe.
Assim, se o casamento é uma perda da liberdade e da verdade, não será ele então a grande disfunção? O filme dirá que sim, mas não o deslegitima com isso, porque no cinema dos Farrelly o que prevalece é a multiplicidade. As diferenças são agregadas, todos ganham o mesmo espaço e tempo na tela, tornam-se iguais.
Por isso, o humor sempre é feito democraticamente em cima de todos, de aleijados a galãs, de loiras imbecis a vilões, entre piadas diversas, das mais cerebrais às mais gosmentas.
É uma abordagem um tanto amoral dos Farrelly, até por lhes dar imagem sem julgá-los, o que torna possível a utopia da igualdade, ou melhor, da convivência das diferenças, porque todos são seres humanos em atos igualmente humanos.
Tal complexidade traduz-se numa comédia que, fundida ao drama, tocando em temas que pouca gente quer ver na tela, usa toda a sorte de recursos cinematográficos, em "gags" visuais e diálogos afinadíssimos, como só Jerry Lewis e alguns outros faziam.
Se não é o melhor título da dupla, "Antes Só do que Mal Casado" tem momentos sublimes (como um zoom, irônico, na tarja preta que esconde o nu frontal de Lila). E confirma que os Farrelly ainda são os que fazem a comédia de ponta no cinema americano atual, longe do moralismo de Judd Apatow, o nome que está sendo incensado do momento.


ANTES SÓ DO QUE MAL CASADO
Direção:
Bobby Farrelly e Peter Farrelly
Produção: EUA, 2007
Com: Ben Stiller, Michelle Monaghan, Malin Akerman
Quando: em cartaz nos cines Eldorado, Iguatemi Cinemark e circuito
Avaliação: ótimo


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