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CRÍTICA
Reichenbach filma sentimentos dos feridos pela história
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Carlos Reichenbach já
definiu "Bens Confiscados"
como "a história política vista pela porta da cozinha". É isso mesmo. Os estilhaços da corrupção e
da violência que dominam o país
atingindo gente desprotegida.
Temendo um escândalo, um senador corrupto manda seqüestrar
seu ilegítimo filho adolescente,
Luís Alberto (Renan Augusto),
depois que a mãe deste, amante
do político, se suicida. O rapaz é
mandado para um balneário fora
de temporada no sul do país, onde fica sob os cuidados de outra
ex-amante do senador, a enfermeira Serena (Betty Faria).
Apesar da dificuldade da situação, ou por causa delas, o adolescente e a cinqüentona acabam se
aproximando mais do que seria
conveniente. Isso no front pessoal. No front público, a ex-mulher do senador (Beth Goulart) vai
à TV e, feito uma Nicéia Pitta ensandecida, joga no ventilador toda a lama de sua carreira política.
Nessa linha fina entre o privado
e o público, a delicadeza dos sentimentos e a brutalidade dos tempos, Reichenbach conduz um de
seus filmes mais coesos e contundentes, com pelo menos dois momentos soberbos.
O primeiro é o virtuosístico plano de abertura, em que a câmera
expressa em seu próprio movimento a vertigem do suicídio que
dá origem à trama. O segundo é a
cena em que Luís Alberto é seduzido na praia por uma jovem pedagoga (Marina Person), deita a
cabeça em seu colo e, ao levantar
os olhos, vê a moça beijando uma
amiga na boca.
As turbulências erótico-afetivas
da adolescência se fundem com o
caos da nossa triste república nesse filme em que, ao politizar o melodrama de Douglas Sirk e o "cinema de sentimentos" de Valerio
Zurlini -suas referências explícitas aqui-, Reichenbach se aproxima de Rainer Fassbinder, mas um doce Fassbinder tropical.
Bens Confiscados
Direção: Carlos Reichenbach
Produção: Brasil, 2004
Com: Betty Faria, Renan Augusto
Quando: em cartaz a partir de hoje nos
cines Frei Caneca e Reserva Cultural
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